Lembranças Literárias : Tarde esportiva
Numa cidade
Provinciana como esta,
a vida sossegada e igual se escoa
numa evangélica tranquilidade.
Lembrando a placidez de uma lagoa
que o olhar estático abre na floresta.
Assim, ao povo é sempre muito grato
se alguma festa, algum divertimento,
lhe quebra um pedaço esse viver pacato,
pondo um pouco a cidade em movimento.
Por isso, sempre, quando na cidade
uma festinha em qualquer ponto ocorre,
no mais justo alvoroço, a mocidade,
radiante de prazer, a ela acorre…
O torneio esportivo
que na Vila Nair se vem fazendo
por um pessoal garboso e destorcido,
tem aos domingos atraído
ali grande afluência, e assim vem sendo
um ponto de reunião lindo e festivo.
Aproveitando a amenidade desta
quadra de céu fumoso mas benigno
é a maciez de um sol convalescente,
nosso adorável mundo feminino
tem levado ao local seu contingente,
dando maior encanto e brilho à festa.
Como hoje ir aos esportes signifique
alguma coisa de chic,
porque os adora em toda parte o escol,
essa assistência alegre e rumorenta,
buscando um pouco de emoção, frequenta
o ground, tomando gosto ao futebol.
Por entre aplausos dos espectadores,
numa confiança impávida e serena,
os guapos jogadores,
sorrindo, entram na arena.
E a pugna então decorre entrecortada
de piadas e ovações dos torcedores,
o que mais estimula a rapaziada.
Eu é que, vez por outra, deixo
de parte o jogo, e a zona vou sondando,
de modo que lá um ou outro trecho
possa dos comentários ir pilhando.
– “Repara só – diz um – que torcedela
desesperada daquela,
porque apostou no preto… quinhentão!
Tanto braceja, grita, sapateia,
que lhe entumesce a cordoveia
e fica rubra como um pimentão!
– Tudo isso, entanto, é fita, apenas fita.
– Outro responde -; logo se desprende
das perguntas que faz, seguindo o jogo,
que embora torça assim, o rosto em fogo,
chispante o olhar, desenfreada e aflita,
ela daquilo quase nada entende.
– “Por quem torce você – vermelho ou preto?
Eu sou vermelho; o preto não aguenta”.
– “Não, nesse embrulho já não mais me meto;
basta o banzé que da outra vez a minha
pequena fez, a me acusar, ciumenta,
que se eu torci foi só pela… madrinha.”
Mas eis que o juiz apita
para anunciar que terminara a luta,
reboando no ar então medonha grita
que quase deixa surdo quem escuta.
O povo se dispersa, entre o alarido
que fazem, discutindo, os torcedores,
e enquanto a Euterpe os ares sonoriza
executando um tango remexido,
como a saudar também os vencedores,
curvam-se os bambuais à doce brisa.
Enquanto, nessa hora,
a todo esse ruído circunstante,
a toda essa alegria e animação
eu me sentia inteiramente alheado,
porque gentil morena encantadora,
chutando do meu lado
um longo olhar, tão terno e penetrante,
vem fazer-me um gol no coração.
João de Pinda,
Tribuna do Norte, 28 de agosto de 1921