História : Nos tempos do teatro da praça Formosa
Nesta edição trazemos de volta a história do velho teatro de Pindamonhangaba dos tempos dos barões do café
Na segunda metade do século XIX, assim como outras localidades do médio Vale do Paraíba, a Vila Real de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Pindamonhangaba – assim denominada naqueles tempos da monarquia brasileira – vivia em pleno apogeu do ciclo do café. Reflexo do poderio rural, as melhorias se verificavam na zona urbana, onde palacetes e casarões eram construídos para residências dos ricos proprietários quando não estivesse em suas fazendas. Foi nessa época, no ano de 1856, que a cidade teve inaugurado o prédio do teatro.
A população de Pindamonhangaba deveria oscilar entre 10 e 12 mil habitantes, levando-se em conta um cômputo feito em 1854 e citado pelo poeta e cronista Emílio Augusto Zaluar (Peregrinação pela Província de São Paulo, 1860 – 1861). Para aquele povo, habituado a valorizar as manifestações artísticas e culturais, fora uma significativa aquisição.
Projeto e construção de Francisco Antônio Pereira de Carvalho (português que se tornara pindamonhangabense por opção), o prédio ficava de frente para a praça Formosa (que sete anos depois receberia a denominação de praça Monsenhor Marcondes). Quanto à localização exata, tomando como referência os estabelecimentos comerciais de hoje, segundo Eloyna Salgado Ribeiro, em “A Vida nos Balcões da Pequena Pindamonhangaba” (Gráfica Ativa, Taubaté-SP, 1997), ficava onde funcionou a loja Central e atualmente se encontra outro ponto de nosso comércio. Já para Nice Costa Marcondes, em crônica publicada na coletânea Nossas Ruas (Scortecci, São Paulo, 1993) “ficava onde está o hotel Brasil”.
O “teatrinho” da rua da Estalagem
Com referência ao assunto, Athayde Marcondes, em Pindamonhangaba Através de Dois e Meio Séculos (Tipografia Paulista, São Paulo, 1922) conta que em período anterior ao surgimento do teatro da praça Formosa os espetáculos dramáticos eram encenados num “teatrinho” que se localizava na rua da Estalagem (atual Marechal Deodoro). “Edifício tosco, ou antes um barracão transformado em teatro”.
Só em 1851 é que foi criada uma sociedade, com capital de 8.000$000, divididos em 40 ações de 200$000 cada e iniciaram a empreitada de construção de um prédio apropriado para teatro. Compunham a tal sociedade os importantes cidadãos: Antônio da Cunha Salgado, Pedro Teixeira, José Moreira Cesar, Antonio Marques Villela, Manoel de Godoy Moreira, Manoel Eufrásio de Toledo, Jeremias Gomes e Araujo, Benedito Antunes de Moura, Francisco Marcondes e Andrade, João Leite Barbosa, Joaquim Antônio Fernandes Villela, Domingos Marcondes Homem de Mello, José Romeiro de Oliveira e Benjamin da Costa Bueno.
Primeiros atores
Cinco anos foram necessários à conclusão da obra, “em 1856 já o teatro funcionava”. Em 1858 os acionistas cederam o teatro por 10 anos a Associação Dramática Particular, da qual faziam parte “senhoras e rapazes da elite pindamonhangabense”. As atrizes eram: Firmina Villela, Anna Rosa Marcondes de Oliveira, Marianinha Marcondes do Amaral, Maria Benedita Vasques.
Entre os atores também figuravam ilustres cidadãos, como o próprio construtor de prédios e fundador do primeiro jornal de Pindamonhangaba, Francisco Antônio Pereira de Carvalho; Benedito Gomes de Araújo (pai daquele que tornaria o mais famoso maestro de Pinda, João Gomes de Araújo); José Fortunato da Silveira Bulcão (pai de José Fortunato da Silveira Bulcão, que se tornaria cônsul do Brasil em Marselha), e ainda: Manuel Caetano do Costa Nogueira, Francisco do Amaral Gurgel, Francisco de Paula Boanova, Francisco Vieira Paes, alferes José dos Santos Moreira,Luís Teixeira de Barros, Cândido Marcondes de Andrade e Francisco Marcondes Monteiro.
Por conta do arrendamento, “esta associação ficava obrigada a pagar as dívidas contraídas, a fazer os reparos e consertos que o edifício exigisse para sua conservação”.
O autor também menciona o surgimento da Associação Dramática Particular, em 1874. O elenco desta associação teria estreado em 31 de maio daquele ano “levando à cena o drama em três atos, ‘As Nódoas de Sangue’; a cena dramática, ‘Serração no Mar’; e a comédia, ‘Manda quem pode’”. Um mês depois, no dia 29 de junho, voltariam ao palco com o drama em quatro atos ‘O orgulhos’, de Olímpio Catão e, a pedido, repetido a comédia ‘Manda quem pode’.
Esta associação – conforme Athayde – teve curta duração. Integravam o corpo cênico: Benedito M. de Toledo, Francisco de Paula Cortez, Francisco Correa, Francisco Machado, José Antonio Vieira Salgado, José Braga, Coimbra, Antonio Mariano, M. torres, Francisco Ferraz, Paula e Silva, Villarouca, Henriqueta, Maria Benedita, Maria da Trindade, Brasilina e outras.
Elogiado por Zaluar
Este teatro é citado pelo poeta e cronista Emílio Augusto Zaluar, ao registrar sua passagem por esta cidade no ano de1860 (na obra acima mencionada), quando a homenageou com o título de Princesa do Norte: “Há nesta cidade um lindo teatro, o melhor sem dúvida de todo o norte da província, que não está porém acabado. É vasto, espaçoso, alegre e adornado com três ordens de camarotes. Tem sido construído à custa de particulares, que já gastaram para cima de 20 contos de réis na obra”.
Mencionando uma reforma ocorrida em 1878, que o tornou mais elegante, Athayde assim descreve o prédio: “Os cenários e o pano de boca (cortina) foram pintados pelo hábil cenógrafo Villaronga, sendo o serviço administrado gratuitamente pelo cidadão Cornélio Lessa. Tem duas ordens de camarotes, com 18 cada uma e as galerias. A platéia acomoda 200 cadeiras. À entrada tem um saguão com dois quarto laterais que servem de botequim e bilheteria. No pavimento superior tem um salão para reuniões”.
Uma extensa relação de famosos da época no drama, alta comédia, ópera, operetas, música e prestidigitação (mágica) que se apresentaram no teatro de Pindamonhangaba está registrada na obra de Athayde. Também são citadas por este escritor as peças dramáticas que foram encenadas, as óperas que foram cantadas, as operetas e revistas.
O fim
Há quem aponte 1910 como o ano em que o teatro de Pindamonhangaba deixou de existir, entretanto, em fragmentos de um exemplar do extinto jornal local Folha do Norte encontramos um artigo que nos levou a concluir que em 1909 o prédio daquela famosa casa de espetáculos já havia sido demolido. Ainda que no referido exemplar estivesse faltando justamente a parte dedicada à data da edição, foi possível localizar mês e ano da publicação em razão de um edital ali publicado com a data 9 de julho de 1909.
No artigo referido, matéria de primeira página, seu autor inicia relembrando a beleza arquitetônica do edifício do teatro, mas que… “como tudo no mundo tem fim, um dia desabou uma das paredes laterais”, revelando que o teatro estava condenado.
Cita também um abaixo-assinado por intermédio do qual o teatro era entregue ao município para que este o reconstruísse. “sabemos das condições precárias em que se acham os cofres municipais, porém a boa vontade e um pouco de esforço são bastante para se fazer alguma coisa”.
Para o jornal Folha do Norte, nas condições em que se encontrava, o prédio precisava mesmo ser demolido e assim procedendo o prefeito (era o Dr. Claro César) evitara mal maior, como um desabamento. A sugestão era para que o material que estava sendo retirado não fosse desviado para outro fim, fosse utilizado na edificação, em curto prazo, de um novo teatro.
Esse jornal também fazia um alerta quanto à doação do prédio feito por particulares à administração municipal. Segundo a FN, a doação não estava legalizada, apenas iniciada por um abaixo-assinado e se tratando de um imóvel havia necessidade de outras formalidades para que o município fosse “dono e senhor do prédio”.
Concluindo, o jornal, representado pelo redator da matéria, afirmava que não lhe movia no assunto “nenhum intuito de oposição”. Mas, “achava-se no direito de chamar a atenção de quem competisse: primeiro, para a irregularidade no processo de aquisição do imóvel; segundo, para o aproveitamento do material do velho edifício, para a construção do novo teatro”.