POR FORA, PÃO BOLORENTO. POR DENTRO, BELA VIOLA

Contou-me um velhinho, enquanto bebericava mais uma dose de pinga na venda onde fui comprar pão e leite, que a avó lhe contara que ouvira da bisavó o caso que agora compartilho com vocês. Em um passado distante, o pároco da única igrejinha da cidade, homem franzino, corcunda e sem saúde, que pigarreava a cada três palavras, sofreu mal subido durante a missa de Páscoa e, desde aquele dia, passou a integrar a diocese celestial.

Durante muito tempo a igrejinha ficou sem pastor. Nesse período, pelas ruas da cidadezinha, beatas choramingavam a perda do padre santinho, sempre atencioso, que distribuiu sábios conselhos enquanto vivente. Os homens também lamentavam a perda do melhor juiz de futebol de várzea que acontecia depois da primeira missa de domingo. Fazer o quê? Morreu, morreu. O futebol não pode parar. Nem a
missa!!!

A população estava já a sair dos trilhos quando um mensageiro da capital trouxe a notícia de que naquela semana outro padre assumiria a igreja. A cidade se agitou. Todos só respiravam aquela bem-aventurança. 

— Será que virá um padre jovem? — suspirava a beata mais
antiga.

— Bonitão igual o padre Fábio de Melo? — assanhou-se outra

Sabiam que o padre viria. Mas não sabiam dia e nem hora. Por isso, se revezavam espiando  a única estrada que dava acesso à cidade. Foi a mulher do dono da venda que viu o jipe levantando poeira.

— É ele. É ele. É ele.

Só podia ser. Ninguém se aventurava a entrar naquela cidadezinha sem atrativos, a não ser por
engano do motorista, GPS estragado ou, sabe se lá o quê.

— É o padre sim — constatou a senhorinha língua-solta-sobre -a-vida-alheia — Mas quem está
dirigindo o jipe é um… Mendigo?

Era horário de missa. O veículo estacionou na frente da igreja. O padre desceu, o mendigo desceu. O padre entrou na igreja sem dizer um “a”, o mendigo também. O mendigo tinha barbas longas, desleixadas, roupa rasgada e encardida.

— Melhor tirar esse pé rapado de nossa igreja imaculada. Ele não é digno de estar aqui.

— Parece mais um porco fedorento.

Os fiéis ficaram mais indignados quando o mendigo se estabeleceu no altar e experimentou o
microfone.

— Som. Som. Testando. Som. Som.

Em seguida, caminhou pela igreja, estendendo a mão a cada presente. Ninguém foi receptivo. Ele não se incomodou. Sorria o mesmo sorriso. Depois de percorrer toda a igreja, voltou ao altar onde o padre levantava a bíblia sagrada.

— Irmãos e irmãs — disse o mendigo — A palavra de Deus não discrimina. A palavra de Deus não valoriza ninguém pelos trajes, pelo dinheiro, pela popularidade, pelo grau de ascensão na sociedade. Vocês, todos vocês, estão distantes da palavra de Deus, pois não agem com humildade.

— Tirem esse maltrapilho do altar — gritou a velha com a face coberta por véu.

— Não tem homem aqui pra tirar essa coisa do altar? — gritou outra.

O mendigo respondeu:

— Se querem que eu vá embora, ficarão sem padre.

— Você, seu verme, vai embora. O padre, não.

O mendigo sorriu:

— Eu sou o padre. Vim vestido dessa maneira, pois queria conhecer que tipo de rebanho eu terei que conduzir. Terei muito trabalho. Aquele que está vestido de padre é meu sacristão.