Proseando : OS FILHOS DO REI
Shing Ling era um sábio rei em terras remotas, localizadas depois da terceira montanha amarela. Seu palácio era tão imenso que, quem nele entrasse, levaria meses para percorrê-lo. Também possuía torres altíssimas onde a lua, de vez em quando, se enroscava. E era o rei quem, carinhosamente, a libertava.
O monarca tinha filhos gêmeos: Shing Shong e Shong Shing. Disse-lhes o rei:
— Amados filhos, minha avançada idade é um alerta de que o trem para a última estação está vindo me buscar. Antes que isso aconteça, um de vocês assumirá o trono.
— Serei eu, pois sou o mais esperto — presumiu Shong Shing.
Shing Shong não contestou; disse que acataria a sabedoria do pai.
— Amanhã, antes do primeiro bocejo do sol, vocês deixarão o palácio e percorrerão todas as aldeias do reino, sem carruagem, sem cavalo ou qualquer outro veículo de locomoção. Cada um levará consigo três moedas de ouro. Aquele que voltar mais próspero será coroado.
— Percorrer todas as aldeias? Isso vai demorar meses — resmungou Shong Shing — Eu não irei.
— Então Shing Shong herdará o trono — declarou o rei.
— De jeito nenhum.
No dia seguinte, Shong Shing partiu de madrugada. Shing Shong ficou admirando a lua e as estrelas. Somente deixou o palácio depois de contemplar o sol acordando a natureza.
Shong Shing era arrogante, soberbo e espertalhão, do tipo que dá nó até em pingo d’água. E não foi diferente naquela missão. Entrou nas casas dizendo que o rei exigia uma moeda de ouro para gravar o nome do doador nas paredes internas do palácio.
— É a única moeda que tenho. Não a leve, por favor, eu imploro. Preciso dela para alimentar meus seis filhos — suplicava a viúva.
Mas o coração de Shong Shing era território glacial.
Ao fim de dois meses, os irmãos voltaram e encontraram a rainha cuidando do rei combalido, sem forças para se levantar do trono. Os olhos de Shing Shong se encheram de oceanos ao ver o pai.
— Pai, meu pai querido, por que está tão fraquinho?
Shong Shing disse:
— Ele está morrendo. Está velho, não presta pra mais nada. Rei morto, rei posto. Eu assumirei o trono.
Com dificuldade, o rei, depois de algumas tossidas, lembrou:
— Como havia dito, o coroado será aquele que se mostrar mais próspero.
Shong Shing depositou no chão um saco de juta com mais de mil moedas de ouro.
— E você, Shing Shong, o que conseguiu?
— Nada, meu pai. Perdoa-me, pois as três moedas que me deu, dei a viúva com seis filhos que não tinha o que comer. Dessas andanças eu trago apenas calos nas mãos, por ajudar pessoas. Minha roupa está rasgada porque livrei um inocente das mãos de um facínora. Também…
— Basta — disse o rei nos intervalos de fortes tosses — A verdadeira prosperidade é aquela que ilumina o espírito, não a cobiça. Shing Shong tem o coração altruísta, é empático. Por isso, eu, rei Shing Ling, declaro Shing Shong o herdeiro do trono.
Foram as últimas palavras do rei.