Proseando : O INSTRUMENTO DO AMOR

Querida leitora, querido leitor. Quem consegue me dizer qual o instrumento
dessa prosa? Respostas ao WhatsApp: 99735 0611

Ela sempre mergulhava no fundo da memória e me dizia que era um pinguinho de gente quando o pai a levou para assistir a apresentação de um quarteto de cordas. Eu já conheço essa história de cor e salteado. Mas, como sei que vocês não conhecem, vou lhes contar.

Assim que o concerto terminou, ela, na soberania de seus oito anos de idade, intimou o pai:
— Quero um igualzinho àquele da moça ruiva.
O pai tentou dissuadi-la dizendo que outro dia, outra hora compraria o instrumento. Mas ela cruzou os braços, trancou a carinha e ordenou:
— Agora!

O pai, que há muito perdera as rédeas da educação da filha, sucumbiu. E ela voltou com o “brinquedinho” para casa. Tanto o pai, quanto a mãe, acreditavam que o instrumento em breve se uniria a outras bugigangas esquecidas. Mas isso não aconteceu. Ela não desgrudava do instrumento. No começo, os pais suportaram as estridências que ela produzia. Mas depois de algumas semanas, matricularam-na numa escola musical, onde estudou durante muitos anos. Mas de nada adiantou. Embora se dedicasse horas a fio no estudo da música, não tinha aptidão. Não conseguia evitar os ruídos estridentes.

Bem. Essa menina cresceu. Eu a conheci na juventude, quando ela arrebatou o meu coração, com a sua voz de rouxinol. Ah, o amor!

A primeira vez que fui a casa dela, levei um cachorrinho de presente. Lino era o nome dele. Ela amou e, para retribuir, fez questão de mostrar-me o seu “talento”. Durante quase uma hora, meus ouvidos foram torturados por arranhões “melódicos”. Suportei e sobrevivi.

Casamo-nos anos depois. Fomos muito felizes, apesar de suas apresentações diárias para uma plateia composta por mim e pelo Lino.

A vizinhança reclamou tanto que, para não privá-la do prazer musical, contratei profissional que aplicou isolamento acústico nas paredes.

Certa noite, depois de nos apresentar duas peças musicais, dizendo-se cansada, se deitou abraçada ao instrumento. Fui à cozinha preparar-lhe um chá e, quando voltei, ela já dormia o sono que Beethoven dorme. Foi também a última vez que vi o Lino. Ele desejou viajar com ela.