Nossa Terra Nossa Gente : RUTE ELIANA E A ARTE DE ‘ENSACIZAR”
Tive a sorte de ter na infância uma contadora de história sem igual, minha avó, a quem devo o encantamento que até hoje cultivo pelas lendas e fábulas da cultura caipira. À luz de lampião e ao redor do seu fogão a lenha, ficávamos atentos e medrosos ouvindo as histórias que ela nos contava de saci-pererê, mula-sem-cabeça, curupira e tantos outros personagens do folclore brasileiro.
Meus filhos e muito brasileirinhos tiveram outra avó para lhes contar essas histórias – Dona Benta -, num dos mais conceituados programas da televisão brasileira, inspirado na célebre obra infantil de Monteiro Lobato: “Sítio do Picapau Amarelo”.
O escritor taubateano foi quem publicou, em 1918, a primeira obra resultante de extensa pesquisa sobre o saci – “O Saci Pererê: Resultado de um inquérito” e, em 1921, lançou “O Saci”, destinado ao público infantojuvenil.
Na concepção lobatiana, esse trêfego personagem é um moleque pretinho, de uma perna só, pito aceso na boca e gorro vermelho na cabeça, que faz mais molecagens do que maldades, monta e dispara cavalos à noite, embaraça-lhes a crina…
Um século depois das pesquisas de Lobato, se fizermos uma enquete, desvelaremos incontáveis histórias e crendices sobre o saci. Na verdade, cada um de nós tem uma história distinta para contar sobre essa figura mitológica que, de geração em geração, se perpetuou no imaginário popular.
Pois a professora, cantora e psicoterapeuta corporal Rute Eliana dos Santos, desde que ‘ensacizou’ pela figura desse menino arteiro, tem como uma de suas bandeiras contar às novas gerações a sua concepção de saci e que muito difere da que nos foi contada por nossos avós e pelo próprio Lobato! O saci de Rute Eliana é um moleque arteiro que vem no assobio do vento com uma mensagem de preservação e de cuidado com o planeta em que vivemos.
Para levar essa mensagem de emergência ambiental – imprescindível às crianças e aos jovens do nosso tempo –, Rute Eliana não mede esforços: participa de ‘saciatas’ na vizinha São Luiz do Paraitinga, visita escolas e dialoga com professores e alunos, ministra palestras em instituições culturais, compõe músicas para blocos de carnaval e festas regionais.
O saci que mora no imaginário de Rute Eliana, como todo menino, faz suas artes, mas, como todo menino consciente, tem pressa de preservar o planeta. Afinal, a Terra é a nossa casa comum, e, mais do que nunca, devemos difundir a consciência do quão generosa a Terra é e do quanto precisamos protegê-la!
Esse trabalho incansável de Rute Eliana foi inspirado na cultura luizense e, de modo especial, num de seus grandes artistas, o músico Luiz Henrique Moradei, seu companheiro de vida, de viola e de ‘saciatas’ por Pindamonhangaba e pelo Vale do Paraíba afora.
Dupla imbatível nos concursos de marchinhas, de música raiz e carnavalescas, Rute Eliana e Luiz Henrique Moradei compõem e cantam canções que têm disseminado a mensagem de proteção ambiental do saci que os ‘ensacizou’. Dentre as canções de autoria deles, elejo “A arte do saci é preservar”, pois, desde que eu ouvi essa marchinha, nunca mais deixei de cantá-la:
Saci é moleque arteiro
Mora no bambuzeiro
Sua casa é ao luar
Ele vem no rodamoinho
No assovio passarinho a cantar
No carnaval ele vem ensacizar (Bis)
Quando ele assobia ele vem avisar (Bis)
Que da natureza não se pode
descuidar (Bis)
A arte do saci é preservar (Bis)
Como bem referendou a folclorista valeparaibana Ruth Guimarães, “o saci tem a função folclórica de deixar a vida mais encantatória, porque a vida tem que ser encantada”. É exatamente isso que Rute Eliana tem feito por nossa terra e nossa gente: encantado crianças e jovenscom a sua singular arte de ‘ensacizar’ as novas gerações para cultivarem esse guardião da Natureza e da cultura popular brasileira!