Proseando : Passarinho me contou
Na Avenida Albuquerque Lins mora um casal que muito admiro. Elefoi — é, e sempre será — meu professor querido, fonte inesgotável de paciência e sabedoria. Ela também professorou com a mesma excelência, na mesma escola: Centro Estadual Interescolar de Pindamonhangaba, onde hoje é a quadra Juca Moreira.
Seu Chiquinho e Dona Regina! Quem não os conhece? Hoje, aposentados, mergulham na arte que acalenta a alma: a música. Ele é o responsável por ordenar notas musicais em pentagramas para que ela lecione teclado e piano às crianças, jovens e a quem se interessar. Aquela que mora em meu coração, por exemplo, é uma das alunas da Dona Regina.
Lembro-me da primeira melodia que minha musa produziuno teclado: Parabéns a você! Embora fosse a estreia como musicista — ainda sem os ensinamentos da Dona Regina —tocou, maravilhosamente, depois de pouquíssimos ensaios. (Ela tem muito talento!)Filmei-a com o celular, e a homenagem foi enviada para a minha querida sogra que aniversariava naquele dia 25 de julho.
O que vou narrar a seguir, nem ela, nem Dona Regina, nem Seu Chiquinho sabem. Dona Regina teve um aluno pequenino, mas tão pequenino que cabia na palma da mão. O aluninho e a mãe se colocavam à janela, enquanto ouviam as melodias. A mãe dizia:
— Ouviu, meu filho? Foi um fá sustenido maior. Ah, agora, um si bemol. Não se encabule. Tente. Se desafinar, tente outra vez. Mamãe quer ouvir seus lindos gorjeios.
O rouxinolzinho se emudecera desde o dia em que viu o pai sucumbir ao ser atingido por uma estilingada. Mas a mãe, esse ser de luz que nunca desiste da gente, quando descobriu o Espaço Musical, teve a certeza de que o filho se curaria ao ouvir o amor fluindo em notas musicais. E ela estava certa.
Como eu sei disso? Você pode até não acreditar, mas foi o próprio rouxinolzinho que me contou. Ele se tornou adulto, casou-se e, com a esposa foi fazer ninho num suporte para vaso, suspenso na parede da sacada do apartamento onde morávamos.
Lembro-me do dia: sábado, fim de tarde. Meu amor estava deslizando os dedos sobre o teclado, iluminando o apartamento com lindas melodias.
— É ela! É ela! É ela!
Ouvi a repetição e pensei que fosse algum vizinho.
— É ela! Foi ela quem me fez voltar a gorjear. Ela e a professora.
“Gorjear?” — Pensei. Caminhei até a sacada e, creia, o rouxinol conversou comigo.
—Sua companheira é celestial. Quando ela toca, toca a alma da gente, pulveriza tristezas e sombras. Ela ressuscitou a minha voz.
Fiquei dias conjecturando que talvez tivesse sonhado. Entretanto, dias depois, ele voltou a conversar comigo.
Não havia contado a ninguém esse acontecimento, com receio de que alguém pudesse me considerar louco ou mentiroso. Falar com passarinho! Ora, essa! Mas, hoje, decidi abrir o bico. E agora que contei, você vai me achar louco, mentiroso ou acreditar em mim?