Proseando : E SE FOSSE VOCÊ?
Papai era um homem agressivo. Muito agressivo. Discutia com mamãe por motivos banais e sem motivo algum. Tinha ele a voz grave, retumbante, carregada de palavrões — daqueles mais cabeludos — e a mão pesada. Da última vez que mamãe conversou com ele para abandonar o vício e ir com ela à igreja, ele a fez perder incisivos.
Não eram casados.
Ele aparecia toda semana, em dias e horários diferentes, para que ela o satisfizesse nas fantasias carnais. Por mais que se negasse, por mais que implorasse, prevalecia o animalismo dele.
Em fevereiro, há oito meses, mamãe criou coragem e contou que estava grávida, acreditando que a novidade o amansaria. Em vez disso, apanhou mais uma vez, acusada de traição. Quando ela estava gemendo, no chão, ele saiu batendo a porta. Minutos depois, a vizinha de frente apareceu e cuidou dela.
— Está melhor?
— Estou.
— Que bom. Agora podemos ligar para o 1-8-0.
— Não, por favor! Não quero denunciá-lo. Tenho medo.
— Se você se acovardar, porá em risco a sua vida e a vida dessa criança.
Mamãe hesitou, refletiu, e quando decidiu ligar, papai voltou ainda mais furioso.
— Você vai tirar essa porcaria e vai ser agora! — Gritou, marchando até mamãe — Vem comigo, vagabunda!
A vizinha se colocou entre os dois e advertiu:
— O senhor faça o favor de sumir daqui, senão eu chamo a polícia.
Ele contraiu os punhos e franziu o cenho, na tentativa de intimidá-la. Entretanto, como a mulher permaneceu firme, papai dedicou todos os palavrões existentes a ela, e saiu fazendo ameaças. Nunca mais voltou.
Eu só nasci porque mamãe foi corajosa e lutou por mim. Eu sei que ela sabe que tenho direito à vida. Sei que pensou em mim com amor, com empatia; que se imaginou no meu lugar prestes a ser eliminada. Sou grata a ela.
Quero aproveitar a vida. Quero aprender a engatinhar, a falar, a andar. Quero crescer para cuidar dela.
Sei que no mundo muitas crianças são sacrificadas no ventre da mãe. Crianças que poderiam ser grandes cientistas, compositores, pintores; que poderiam descobrir a cura de muitas doenças.
Já pensou se uma dessas crianças que não tiveram direito à vida tivesse sido você?