Nossa Terra Nossa Gente : MARIA APARECIDA DE JESUS MENDONÇA: DE MENINA DA ROÇA À ESCRITORA

A “menina” de 87 anos, como toda menina que chega a essa idade, tem muitos sonhos. O maior deles? Ter um livro de sua autoria publicado. Sonho cultivado há 80 anos quando ingressou na Escola Mista do Bairro de Pouso Frio e aprendeu as primeiras letras com D. Lígia Marcondes.
Ao terminar o 1º ano, deixou a escola para ajudar o pai na roça. Seu trabalho, mesmo que pequeno fosse, muito significaria ao final da tarefa do dia, no salário do mês, na lida de um ano. A irmandade era grande – nove filhos! -, e a família tirava da terra o pão de cada dia. Com os pais, José Maria e Alcina, ela aprendeu as mais belas lições de amor a Deus e aos filhos, tesouro guardado a sete chaves no seu coração.
Da infância recorda também as andanças no mato para catar coquinho, brejaúva, maracujá, palmito e tuncum. E as brincadeiras com os irmãos e a criançada da vizinhança, estripulias permitidas aos pequenos trabalhadores de sol a sol apenas aos domingos: brincavam de roda, perna de pau, amarelinha, corrupio, corda, peteca e baralho.
Dos anos de juventude, não esquece os bailes na companhia do pai e dos irmãos e os pares de valsa, de forró, de mazuca e quadrilha que tanto alegravam as noites de sábado e os dias de festa da moçada daquela época. Recorda ainda a devoção religiosa e o labor do trabalho que ao chegar à maioridade ganha outros campos: a costura.
Sua primeira máquina de costura, uma “Long Life”, é relíquia preciosa. Com ela, ajudou o marido nas despesas da casa e custeou os estudos em Pindamonhangaba de seu único filho. José, menino de inteligência rara, ano a ano conquistava o 1º lugar da classe! Ele formou-se em Engenharia Elétrica e, em pouco tempo, conquistou seu primeiro emprego numa consagrada empresa nacional.
A mãe costureira, todo dia, ia cumprindo a sua sina: quando a inspiração vinha, Dona Cida largava a agulha e a linha e para o seu caderninho ia: registrava as “lendas”, como assim ela denomina, que extraía das coisas simples da vida. Os passarinhos em revoada no alvorecer do dia; o galinho garnizé que ao seu chamado voava até sua mão para prosear com ela; as peripécias do gato que adotou “de meia” com a sobrinha; os cachorros que foram seus grandes companheiros, as galinhas de estimação que morreram de velhice…
São muitas histórias, escritas em letra miúda, delicada como a alma dessa “menina da roça” que, aos 87 anos, acorda com o galo cantando, caminha e faz ginástica todo santo dia, cuida dos afazeres domésticos, costura para fora, cuida de suas plantas, lê a Bíblia, congrega na Igreja Cristã do Brasil e cultiva um jardim repleto de amigos e de sonhos.
Ao ler seus caderninhos de lendas, vou subindo, como João de “O Pé de Feijão”, os galhos de sua longa vida e vislumbro, do alto de seu céu, uma mulher abençoada não só pelo dom das palavras, uma escritora nata que corta e alinhava os tecidos de sua vida para nos presentear com a sabedoria escondida nas letras mágicas que nos conduzem deste mundo a Deus.

Imagens: Divulgação
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