História : Um passeio pelas ruas da Pindamonhangaba das primeiras décadas do século XX
Graças à nostálgica pena de um articulista do jornal Tribuna do Norte, ‘História’ desta edição nos permitirá um volta ao passado, divagar passageiros dessa formidável máquina do tempo proporcionada pela criativa imaginação…
Veio da pena, pena já saudosista em 1955, do professor Pedro Silva a encantadora homenagem a Pindamonhangaba pela comemoração de seus 250 anos de emancipação político-administrativa. Em artigo publicado na Tribuna do dia 10 de julho daquele ano, o autor voltava suas lembranças para sua amada cidade nas primeiras décadas de 1900.
Devido à importância histórica do texto, optamos pela publicação na íntegra, a pintura segundo as pinceladas originais de seu criador:
“Pindamonhangaba antiga Especial para a Tribuna do Norte – Pedro Silva
Tenho imensas saudades daquela Pinda antiga quando eu então garoto, era levado pela minha querida e saudosa avozinha à nossa Igreja Matriz, que era majestosamente branca interna e externamente, para assistirmos, às quintas-feiras, a emocionante missa das nove horas do Santíssimo e durante a qual se ouvia do coro, suaves melodias pela apreciada Corporação Euterpe, sob a regência inigualável maestro senhor João Antonio Romão e que, ao término da missa, executava alegre dobrado.
E como a divina arte de Santa Cecília dava um aspecto solene e festivo aquelas missas! Lembro-me quando a 1º de maio, pela manhã, o povo transportava para a Igreja Matriz, a veneranda imagem de Nossa Senhora do Socorro, que era alegremente recebida na cidade, que assim tomava um aspecto festivo por ser feriado.
A Festa do Divino então era ótima; íamos à casa da festa onde assistíamos aos leilões pelo espirituoso leiloeiro, o seu Mané do Pinhão.
Havia fartura, alegria, harmonia e respeito e assim eram todas as outras festas. A de Santa Cruz em diversos lugares, a principal era no antigo Santo Cruzeiro; a de Santo Antonio a principal era na casa do capitão Antonio Ramalho; assim como a de São João, na fazenda Mombaça, do Dr. João Romeiro; enquanto a de São Pedro, na casa de meus pais e na chácara do capitão Antonio Lemes Sobrinho.
E as festas de Natal e da passagem do Ano, organizadas em residências particulares? Como eram alegres e divertidas!
Lembro-me também das tradicionais e concorridíssimas festas de Sant’ Ana, que tanto empolgavam a população, pois lá havia de tudo e o transporte àquele aprazível bairro, era feito por trólis, a razão de quinhentos réis por pessoa.
Eu gostava de fazer compras no armazém dos irmãos Giorgio (Luiz e Zeca) por ser até hoje muito amigo deste último; o armazém ficava no Largo da Cascata, no ponto hoje ocupado pelo restaurante do Artur.
Gostava também de ir ao armazém do senhor Basílio Velutini, bem em frente à Matriz, porque a despeito de minha pouca idade, eu já sabia apreciar a sua paciência e espírito humorístico.
Pelo mesmo motivo, era admirador do meu vizinho ao lado, o senhor farmacêutico José Basílio, proprietário da mais procurada farmácia, a São José e que teve como o seu auxiliar e depois sucessor, o bondoso senhor Zeca Nazianzeno.
Como vizinho de frente tive o velho senhor Zé Irmão, proprietário do mais popular hotel da cidade e pai do saudoso professor Carlos Ferreira Cesar e do nosso estimado ‘Nhonhô’, um prodígio musical, tal a perfeição com que tocava diversos instrumentos, porém tudo de ouvido.
Frequentava eu também a loja dos senhores Marcondes e Filhos (na casa hoje ocupada pela sede do Aero Clube local), onde os irmãos senhores Renato e Segesfredo, a todos atendiam cavalheirescamente.
Em frente à Matriz, tivemos a grande loja do estimado senhor Gondiães, sob a direção do prezado amigo senhor Alfredo Salgado.
Seguindo a antiga rua José Bonifácio, hoje Bicudo Leme,tivemos mais a loja ’Ao ganha Pouco’, do senhor João Cupertino, onde seus filhos senhores Joãozinho e Aristides eram muitos atenciosos.
Logo adiante, tivemos a loja ‘A Predileta’ do senhor Monteirinho e, posteriormente, do senhor Felício Pascoal, que teve como gerente então o estimado jovem senhor Zito Pereira. Ainda tivemos a tão procurada loja bazar do senhor Inacinho Torquato, sob a direção do nosso bondoso Rafaelzinho Pires.
Depois as lojas de ferragens dos senhores Vieira Ferraz e capitão Antonio Ramalho, os quais tiveram como eficientes auxiliares os atenciosos senhores Maneco Pires do primeiro, Pedro Galli e Tonico Ramalho do segundo. Mais além, ‘A Paulicea’ do senhor J.J. Homem de Mello, sob a cavalheiresca gerência do senhor Francisco Zamith.
No Largo do Rosário, onde tivemos por muitos anos a bela igreja de Nossa Senhora do Rosário, localizava-se a loja do conhecido senhor Dominguinhos Guimarães e o salão de barbeiro dos boêmios da cidade, do nosso inesquecível amigo senhor Rodolfo Silveira. Tivemos também a ‘Casa Goffi’ na rua Prudente de Moraes, dos prezados amigos senhores João Batista e Luiz Goffi, ponto da elite pindense.
A grande casa comercial ‘Ao Cavalo de Ferro’, do senhor Casemiro Braga e cuja seção ‘armarinhos’ esteve sob a criteriosa orientação do nosso inesquecível e bondoso amigo senhor Jorge Marcondes.
Esta casa já ficava localizada no Largo do Mercado, o nosso amplo e suntuoso Mercado Municipal, posteriormente cedido, por venda, ao Governo Federal, que instalou o saudoso 4º Corpo de Trem (Cavalaria) e que atualmente acha-se ocupado pelo distinto 2º Batalhão de Engenharia. Naquele mercado de então encerra-se maior das recordações dos pindenses antigos, dos bons tempos em que a vida era suave, simples, porque sobravam lhes: alegria, bom humor, paciência, lealdade, respeito mútuo, compreensão e sociabilidade.
Carne, ovos, cereais, legumes, peixes e frutas em profusão e os preços eram acessíveis a todos!
Nos higiênicos tabuleiros da Nhá Sabina e Nhá Mariquinha do seu Higino, comprava-se um grande e delicioso doce por um vintém! Um pão especial grande, no tabuleiro do nosso bom amigo senhor Nicolau Alonso, custava apenas quinhentos réis!
À noite tínhamos então as autênticas e saborosas empadas de galinha e camarão, pelo vendedor ambulante o popular ‘Onde É’ a duzentos réis cada uma! E os deliciosos bolos de legítima farinha de arroz, assados e fritos, aqueles vendidos pelo nosso saudoso Sabino e estes pelo saudoso nhô Joãozinho Pires, sendo ambosos bolos vendidos a um vintém!
Tempo em que uma família pequena arrumava-se bem com cento e vinte mil réis mensais e ainda sobrava-lhe para os extraordinários, inclusive cinemas (quinhentos réis a cadeira) e no qual, aqui afirmo a bem da verdade os filmes eram relativamente bem melhores que os atuais porque os assuntos eram mais aceitáveis, assim como os artistas.
Ademais, sendo os filmes silenciosos, ao invés dessas estúpidas gritarias em idiomas estrangeiros ferindo os nossos ouvidos, tínhamos ótimos letreiros em nosso vernáculo; suaves e apropriadas melodias que eram muito apreciadas, no confortável e saudoso ‘Radium Parque’, por uma excelente orquestra eficientemente dirigida pelo nosso saudoso maestro senhor Deodato Pestana; e, no ‘Eden Cinema’, por um esplêndido conjunto musical da Corporação Euterpe, cuja banda era considerada naquele tempo, como uma das melhores do interior do Estado e como a mais antiga, pois conta com 130 anos de existência!
Tivemos ainda a Corporação Musical ‘7 de Setembro’ a qual, sob a criteriosa orientação do nosso inesquecível maestro senhor João Maria Pires, bem que deliciou os pindenses por muitos anos, pois era muito apreciada.
E quanto ao Eden Cinema? Aquele adorado ‘Eden’ do seu Moutinho e seu Zequinha? Quantas recordações!
Eu te saúdo, Pindamonhangaba moderna, pela sua grande data de hoje; porém o faço, possuído da mais viva saudade daquela Pindamonhangaba antiga, dos alegres bailes familiares; das divertidas quadrilhas, dos esplêndidos piqueniques e serenatas; enfim, daquela cidadezinha adoravelmente simples, alegre e pitoresca.
NOTA – A maior parte das pessoas aqui mencionadas, já deixaram de existir: A elas pois, rendo aqui as minhas respeitosas homenagens, extensivas aos seus distintos e prezados descendentes”.
Concluindo, o autor destacava que a maioria das pessoas no artigo mencionadas não existiam mais. Isso em 1955! Hoje, em pleno século 21, raro é encontrarmos quem se recorde dessas pessoas, desses lugares, da rotina dos pindamonhangabenses que viviam naquela Pinda antiga. Mas, tem!