História : Eden, o inesquecível cinema da Pinda antiga
Era um barracão coberto de zinco o local destinado às projecções cinematográficas, para os amantes da arte cinematográfica era um paraíso onde se ia viver emoções…
Já em outras vezes o assunto desta página dedicada a resgatar a história de Pindamonhangaba foi o Eden Cinema. Hoje ele é relembrado por uma colunista da Tribuna do Norte do final dos anos cinquentas, que se indentificava sob o pseudônimo Valflor.
O interessante dos escritos dessa cronista é que o conteúdo vai além de lembranças de um velho e inesquecível cinema de antigamente. Valflor, na época uma das penas saudosistas da Tribuna do Norte, revela um pouco da cultura, dos músicos locais e dos costumes culinários da Pinda antiga.
A edição é a do dia 30 de março de 1958, o artigo, denominado “Barracão de Zinco”, refere-se à informação de que iriam demolir o prédio, ou seja, o pavilhão onde funcionara (o local guardava doces e ternas recordações…) o primeiro cinema de Pindamonhangaba.
“Disseram-me que o nosso barracão de zinco vai ao chão. A notícia soou dentro do meu coração com uma das trombetas do juízo final. Eu, quando falo em barracão zinco, não quero me referir àquele barracão de zinco sem telhado, sem pintura, lá no morro etc. que se cantou por aí. Refiro-me, sim, àquele barracão que, quando chovia, fazia um barulhão danado. Era modesto e simples, sem as vaidades dos cinemas dos grandes centros, mas lá dentro a felicidade parecia estar sempre indo de coração a coração”.
Era lá o nosso ‘Eden’, nosso pequenino e tosco paraíso. Gostávamos dele, daquele jeito mesmo. E mesmo que não gostássemos não havia outro… Divertimentos não havia na cidade, e então, o que nos importava era a alegria que iria nos fluir dentro, dentro daquele barracão. Os filmes, a nosso ver eram bem melhores do que os de hoje, e o pitoresco de tudo era o fundo musical que se fazia durante o desenrolar da película. A orquestrazinha do João Antonio Romão, coadjuvado pelo Zé Maria Pires, no violoncelo, Nicolino, San Martin, Maneco Pires e outros, que não me ocorrem no momento. Naquele tempo tudo nos sorria. Até a chuva na coberta do cinema, com seus ruídos de terremoto, nos parecia do céu.
Enquanto as cenas se movimentavam a musiquinha ia chorando as valsas tristes e dolentes. Noites Calorosas, Flor de Maio, Brinca, Dirce e outras mais.
Nos dias de seriados de Rolô, Pearl White, nos Perigos de Paulina, Ruth Rolland às voltas com o homem de cara de tigre, a irriquieta e trêfega Mary Pickford, a eterna menina do cinema mudo. Armando diabruras, a casa superlotava.
As sensações eram as mais variadas e o pior era que no melhor da festa surgia o letreiro – ‘Voltem na próxim semana’. As luzes se apagavam a acendiam, os intervalos. Enquanto isso, quero dizer, enquanto do lado de lá da tela molhavam-se o pano com baldes de água, os baleiros entravam apregoando as gulodices. ‘Bala, baleiro, bala baleiro…’ outro, mais esperto, lograva melhor efeito gritando. ‘Olha as balas, abacaxi, côco e ovos”.
E que delícia eram aquela balas? Com franqueza, a criadora de tão maravilhosa guloseima deveria figurar numa antologia de artes culinárias. Estavam sempre, caprichosamente enroladas em papel de seda repicado, nas cores azul, rosa ou branco. A sala de espetáculos era disposta em forma de ‘U’, os camarotes dos lados e o balcão ao fundo.
Embaixo, era a plateia, dividida por uma grade na frente; quase junto da tela, a geral. As cadeiras eram de pau, com birrinhos no espaldar, acariciando-nos as costas. Todavia, não existia lugar no mundo mais encantador do que o nosso barracão de zinco. Bons tempos, aqueles! Hoje, recuada nos anos, sentindo a melancolia do passado a assaltar-me a alma, fecho os olhos, para uma vez mais apreciar as diabruras de Harold Loyd, cai não cai do alto de um arranha-ceu, como ‘homem mosca’. A carranca de Buster Keaton, o homem que fazia rir e não ria, as laçadas precisas do vaqueiro audaz, Tom Mix, Rei do Laço, William S. Hart e outros.
Quase que adormeço, nessa recordação maravilhosa, quando, saltando de dentro do tinteiro surgem o Gato Felix, Mutt e Jeff os caricatas terríveis, rebelados contra Pinóchio, Dumbo e Bambi e outros que lhes roubaram a preferência.
Estou de acordo com eles e acho mesmo que não deveriam ser postos de lado, aqueles que viveram conosco, nos nossos bons tempos de grupo escolar. Todavia, tudo deve estar legal, pois senão a justiça teria intervido.
Só o que não está legal é a destruição do nosso museu de recordação. Ele que encerra dentro de suas paredes as nossas lembranças mais caras e de quantos em nossa terra viveram. Devia sobrexistir ao tempo, à civilização e ao progresso, e de quando em vez, lá deveriam exibir os filmes da velha guarda, para adocicar o amargo de nossas saudades! E de minha memória, tão nítida com os coloridos de Walt Disney, vão fugindo, acenando-me um melancólico adeus, as imagens que povoaram o nosso querido barracão de zinco”.
Eden, cinema e
casa de espetáculos
Em Pindamonhangaba Através de Dois e Meio Séculos (1922), Athayde Marcondes registra que o Eden era a denominação de um grande pavilhão situado ao lado da praça Monsenhor Marcondes, onde antes funcionara o teatro de Pindamonhangaba (atualmente se encontra a Caixa Econômica Federal), inaugurado em 30 de dezembro de 1909. “Era bastante tosco, sem conforto nenhum, mas seu proprietário introduziu muitos melhoramentos tornando-o mais confortável e elegante”.
Revela Atahyde Marcondes que seu proprietário era Antonio Alves Moutinho, que mandou ladrilhá-lo, construiu camarotes, substituiu bancos e cadeiras toscas por outras invernizadas. E que apesar de não oferecer a acústica necessária, ali também eram exibidas peças teatrais.
Sobre a existência desse histórico “barracão de zinco” funcionando como casa de espetáculos e teatro da cidade, recorda o escritor pindamonhangabense (foi membro da Academia Paulista de Letras), Jannart Moutinho Ribeiro, em artigos sobre o Eden Cinema publicados nas edições de 9/5, 30/5, 6/6 e 20/6 de 1971 do jornal Tribuna do Norte, “…por volta de mil novecentos e trinta e poucos ali se exibiu uma trope que tinha de tudo, palhaços, anões, mágicos e dramalhões, e também uma companhia de cossacos que fez estrondoso sucesso e foi motivo de piadas sem fim”. Prova de que o Eden Cinema alcançou a década de 30.