História : Um artigo de Monteiro Lobato para a Tribuna do Norte
Advogado, promotor, escritor, editor, ativista e tradutor brasileiro,
Monteiro Lobato era articulista apreciado pelos seus artigos na imprensa
Página de História de hoje recorda uma crônica publicada na edição de 27 de março de 1938 do jornal Tribuna do Norte. O autor, o grande escritor brasileiro nascido em Taubaté: José Bento Renato Monteiro Lobato!
Curiosamente, para nós também uma feliz coincidência, Monteiro Lobato e a Tribuna do Norte tinham de diferença na idade apenas dois meses. Enquanto o escritor nasceu em 18 de abril de 1882, a “folha liberal do Dr. João Romeiro” no dia 11 de junho do mesmo ano. Ontem, dia 18, relembramos seu aniversário, em junho comemoraremos o da Tribuna.
Inesquecível e polêmico escritor, cujas obras foram consideradas pré-modernistas (período que sucede o Simbolismo e precede o Modernismo no Brasil), Lobato, também lembrado como aquele que abriu as portas para a literatura infantil brasileira, sempre demonstrou seu carinho e admiração para com Pindamonhagaba e os pindamonhangabenses.
Vai muito além do elogio “Terra roxa do saber e da aptidão”, máxima criada por ele para elogiar a Princesa do Norte, sua produtiva relação com a cidade. E aqui recordamos quando no ano de 1903, Lobato e seus amigos, então estudantes residindo na capital paulista, em uma república denominada “Minarete”, escreveram para o jornal do mesmo nome fundado pelo pindamonhangabense amigo dele, Dr. Benjamin Pinheiro.
O Minarete existiu até 1907, porém alcançou seu principal objetivo: derrubar a situação através de artigos contrários à Câmara Municipal da época, eleger Benjamin Pinheiro prefeito, e ele foi eleito (gestão 1905/1908).
Segue abaixo a crônica, data já mencionada acima, com o qual Lobato manifestava sua aprovação ao texto do médico pindamonhangabense Dr. Francisco Romeiro Sobrinho, o 4º filho do fundador da Tribuna, Dr. João Romeiro, e sobrinho do também médico Dr. Francisco Romeiro (prefeito de Pindamonhangaba – gestão 1899/1904).
Embora não seja o assunto principal do escrito, o artigo começa apresentando excelente dica àqueles que desejam ser escritores de bons textos…
A hora Perigosa
A qualidade mais preciosa dum escritor está na concisão. Quem diz em vinte palavras aquilo que o outro o faz em cem, é, pelo menos num ponto, cinco vezes mais interessante. Que ponto? No tempo que toma ao leitor. Mas a regra de ouro da concisão é das mais difíceis de ser seguida, a tendência de quase todos que escrevem consiste justamente no contrário: dizer em cem palavras aquilo que caberia em vinte.
Quantos livros por aí, de centenas de páginas, cujo objetivo se resume em expor uma ideia, ou uma situação, cabível numa dezena de páginas? O pobre leitor tem que arcar com a enorme massa de casca que esconde o palmitinho central.
Mas a culpa cabe ao imperioso comercialismo da época. O meio que o escritor tem de atrair para a sua ideia, a atenção do público e, consequentemente, vendê-la, é esse. É enrolá-la num gordo novelo de inutilidades e digressões, para formar volume. Os compradores de livros fazem muita questão de massa, de quantidade de papel impresso.
Há exceções, entretanto. Tenho diante dos olhos um opúsculo de 19 páginas do Dr. Francisco Romeiro Sobrinho, médico do Serviço Sanitário de São Paulo e realmente sobrinho do Dr. Francisco Romeiro, a personalidade de maior relevo que produziu a velha Pindamonhangaba – de tal relevo que numa das praças dessa cidade a ele ergue um monumento em bronze.
O título do opúsculo é tremendamente sugestivo: A hora mais frequente da morte em São Paulo.
Será possível? Há então uma hora que se morre mais que nas outras? Há então entre as 24 horas do dia uma que mereça o nome de Hora Magarefe, Hora Hecatômbica, a Hora de Atropos, essa terrível parca que cortacom a sua tesourinha o fio da vida dos homens?
Há. E para São Paulo o Dr. Romeiro demonstra em seu opúsculo que essa hora terrível é a 16, ou a que antigamente chamávamos com tanta poesia, 4 horas da tarde.
A observação foi feita com base nos dados estatísticos do Anuário de Demografia Sanitária durante o período de 1925 a 1929 – cinco anos sucessivos. E foi feita sobre o total de 71.365 óbitos, que a tanto vai o número de paulistanos trafegando desta vida para a outra durante esse período de um lustro. A hora da grande derrubada é em todos os anos sempre a mesma – 4 da tarde.
O quadro demonstrativo que o autor estampa em seu opúsculo é deveras impressionante. Em todo esse longo período de 1925 a 1929 a mortandade paulistana, que nas outras horas do dia se mantém na casa média dos 500, pula às 4 horas para a média de 1.690 – três vezes mais… Há, portanto, em média, uma letalidade maior de três no periodozinho do dia entalado entre as 3 horas e às 5 da tarde.
Reduzimos esses algarismos a gráfico, a coisa se torna ainda mais sugestiva. A curva, a partir da hora Zero, segue com pequenas oscilações, ergue-se de repente, como um pico do Himalaia, às 4 horas, para logo depois cair de novo ao nível médio anterior. Os algarismos mostram o fato ao espírito; os gráficos acentuam-no para os olhos – e quem uma vez os veja nunca mais esquecerá.
Por que? Qual a causa do furor de Atropos acentuar-se tão violentamente às 4 horas da tarde, uma hora tão bonita, com o sol já a descambar e o abençoado momento do fim dos trabalhos diários já bem próximo? Eis o que cumpre aos sábios determinar.
O Dr. Romeiro propõe a possibilidade duma hipótese: a coincidência entre a mínima de pressão atmosférica do dia com a máxima de mortandade. Justamente às 4 horas a pressão atmosférica em São Paulo atinge o mais baixo da curva. Será essa a causa da hipermortalidade das 4 horas ou se trat de mera coincidência? Decidam-no os sábios.
O estudo do Dr. Romeiro tem o mérito grande de abrir à discussão mais um problema humano. Para uma conclusão científica se faz mister que estudos idênticos se realizem em todas as cidades. E se em todas as cidades a hora do ‘muito morrer’ de fato coincidircom a mínima de pressão atmosférica, a hipótese aventada de íntima relação entre a Morte e a pressão Atmosférica, receberá umas escoras a mais.
Seja como for, esse distinto cientista realizou uma coisa digna de atenção. Propor um problema novo vale tanto como resolver um problema velho, porque os problemas só são solucionados depois que alguém se propõe. E caso seja solvido, surgirá uma aplicação prática: os amigos da vida na terra, conhecendo qual hora mais perigosa do diam se precaverão, pondo as barbas de molho ao chegar a hora fatal, já adiantando ou atrasando os relógios, já procurando um meio qualquer de condicionar a pressão atmosférica. Se temos o ‘ar condicionado’, por que não ter também a ‘pressão condicionada’?
Saber para prever para prover, diz uma velha sabedoria.
(Copryrigth da União Jornalística Brasileira para a Tribuna do Norte)