Lembranças Literárias : Adeus velha casa da Ladeira

Não sei por que hoje me levantei cheio de nostalgia. De saudades, de melancolia. E nos meus tristes devaneios, lembrei-me sem querer, talvez numa maldade do meu subconsciente, da nossa velha casa da Ladeira. Os que, como eu, viveram bastante numa só casa. Que também tiveram pedaços de sua infância ou da sua juventude marcadas por um lugar amigo, sabem que não há casa velha sem alma. As casas têm sangue, vida e alma. Especialmente as que durante muitos anos tiveram o calor da presença humana. De risos e de choro de crianças. De blasfêmias. De gritos. De gargalhadas.

As casas têm também sangue. Sangue dos sofrimentos dos que lá viveram. Há, por essas razões, casas cheias de sonhos e casas repletas de pesadelos. Casas alegres e casas tristes. Casas que parecem sorrir e casas que parecem chorar, casas que nos causam pavor e casas que nos encorajam. Casas que nos repelem e casas que nos dizem: – Entre meu filho. Esta morada é tua!
É por isso que existe uma diferença entre uma casa e um lar. Não importa que ela seja uma choupana, um casebre ou uma tapera. Ou se uma mansão, um palacete. O que importa são os que nela nasceram. Viveram. Sofreram. Sonharam. Choraram. Sorriram. Se amarguraram. Tiveram esperanças. Frustrações. Mágoas. Desenganos. Desilusões. Talvez por isso que nos meus momentos de tristezas, lembro-me da nossa casa na Ladeira. Ela foi pra mim, todas essas coisas, além de lar e casa. Na minha infância, juventude, ela foi meu lar. Depois, quando me julguei adulto e dela me afastei buscando melhores meios de sobrevivência e, quando apertado pelas saudades humildemente voltei, ela não mais me recebeu como um filho que regressa ao lar, nem como um amigo. Recebeu-me como um hóspede passageiro e indesejável. Como um intruso. E até como um inimigo. Mas, mesmo assim, embora já se tenham passados muitos anos. Ainda me lembro dela com saudades. E agora que a nossa casa da Ladeira está abandonada. Sem calor humano. Sem sangue. Sem vida. Sem alma. Não sei se as saudades são só dela ou são saudades de um tempo que não volta jamais e talvez seja por isso que, com lágrimas pela face e um aperto danado no coração, eu só consiga dizer:
– Adeus velha casa, com tudo o que você me recorda. Adeus velha casa da Ladeira. Adeus!

Quito,
Tribuna do Norte, 23/4/1983

  • Óleo sobre tela de Alarico Filho