Proseando : Tolices do Amor
A primeira vez que a vi foi na feira livre. Escolhíamos maçãs quando nossas mãos elegeram o mesmo fruto e, inevitavelmente, se tocaram. Por uma fração de segundos me fitou, enrubesceu. Apressou-se em completar a dúzia sem cuidar da escolha. Pagou e deixou a barraca. Fiquei extasiado com a beleza daquela mulher que parecia ter uns trinta anos, não mais. Meus olhos seguiram aquele corpo gracioso num vestido ingênuo, leve, quase transparente, que mal cobria os joelhos. Desisti das maçãs.
Segui-a até o ponto de ônibus, só a olhando de soslaio, para que não desconfiasse da minha espreita. Era o ponto do Piracuama, bairro encravado na Serra da Mantiqueira.
Assim que o cobrador autorizou, esperei que ela entrasse no ônibus para fazer o mesmo. Passei por ela e fiquei em pé, no fundo do coletivo, de onde podia vê-la sem despertar suspeitas. Depois de algumas dezenas de minutos, ela desceu. Eu também. Esperei que estivesse a uma distância segura para seguir atrás. Não queria aborrecê-la.
O sol me castigava naquela estrada íngreme e pedregosa. Minhas pernas doíam. O sedentarismo me fez perdê-la de vista, porém, não desisti. Prossegui, morosamente, até avistar um casebre, onde resolvi pedir um copo d’água. Bati à porta e, para minha surpresa, foi ela quem abriu. Mas fechou a porta sem dizer um “a”. Pouco depois, a porta foi reaberta por um senhor que, pelo aspecto, deveria ser nonagenário, não menos. Substitui a água pela ousadia:
– O senhor me autoriza a namorar a sua filha?
Ele franziu o cenho, arregalou os olhos e respondeu:
– Não…
Não o deixei prosseguir. Precisava ganhar o apreço dele.
– As paredes de sua casa não têm reboco. Se quiser, posso providenciar. Será um presente.
Os olhos do velho brilharam. No outro dia, contratei pedreiros para a empreitada. Após o término da obra voltei àquela casa. Ele me atendeu, à porta, com cigarro de palha na boca, lustrando uma espingarda.
– O senhor me autoriza a namorar a sua filha?
– Não…
– Seu telhado está precisando ser trocado. Posso resolver isso também.
Resgatei até o último centavo da poupança e, no outro dia, caibros, vigas e telhas foram levados para a reforma do telhado. Aproveitei para providenciar a pintura da casa também. Ficou linda!
– O senhor me autoriza a namorar a sua filha?
Ele apontou a espingarda para a minha cabeça e ameaçou:
– Suma daqui, senão estóro seus miolo. Otra coisa, seu disgramado, ela num é minha fia, ela é minha muié!
Maurício Cavalheiro
Cadeira nº 30 da APL – Academia Pindamonhangabense de Letras