NÃO VOTE EM BRANCO

Barnabé era homem simples, de bom caráter, temente a Deus. Incapaz de fazer mal a uma formiga. Morava na roça com a mulher e seis filhos. Juca era o dono da venda, o amigo de infância que fora estudar na capital. Formara-se na USP, mas, devido a saudade da terra natal, não se estabelecera na … Ler mais

A MOÇA DO LEQUE

O casarão antiquíssimo de esquina tinha nova moradora. A moça tímida abandonara o casebre para habitar o imóvel, herança da madrinha. Ninguém a viu chegar. Provavelmente, se estabelecera na calada da noite. Aparecia raramente, por minguados minutos, debruçada na janela, com leque imóvel a esconder-lhe a boca. Era tímida. Muito tímida. O rapaz, morador do … Ler mais

O PUXA-SACO

Funcionário de pouca eficiência, garantia-se no emprego aprimorando-se no puxa-saquismo que causava náuseas nos colegas. Bastava um espirro para se levantar, retirar o tecido do bolso e antecipar-se aos lenços de papel. Em gesto adocicado, oferecia a seda azul bordada com o nome do chefe em letras douradas. – Deus te crie e te dê … Ler mais

CÃO QUE LATE NÃO MORDE

Morar em apartamento requer disciplina quase militar. O regramento aprovado em assembleia geral elenca proibições que visam preservar a política da boa vizinhança. Mas, embora o regimento interno estabeleça multa ao condômino que desrespeitar qualquer de seus itens, brotam, em quase todos os edifícios, aqueles que se consideram acima da lei. Por exemplo: não há … Ler mais

CREME DE AMENDOIM PARA CUNHADO CHATO

O relógio empoeirado, pendurado na parede que implorava por demãos de tinta, resolveu amarrar o tempo. Os ponteiros preguiçosos insinuavam greve, para desespero do chefe da repartição. Não fosse a urgência dos relatórios, estaria em casa, concentrado no futebol. O olhar de “não fale comigo, senão eu mordo”, apenas se deteriorou quando, finalmente, o relógio … Ler mais

FURTO NO SUPERMERCADO

A ruiva e a loira tinham a mesma compleição física: magérrimas quais pau de virar tripa, incisivos que ultrapassavam o lábio inferior, cabelos desgrenhados, estrábicas. Diziam-nas irmãs, mas eram somente vizinhas. A ruiva, viciada em objetos de grife, gostava de exibir a chiquérrima Louis Vuitton adquirida em imorredouras prestações. A loira, inflada de inveja, aventava: … Ler mais

DESENCONTRO

Sr. W era um quarentão que jamais trabalhara, mas isso não o obstruía de usar roupas caras e frequentar locais badalados na capital paulista, sempre em companhia de belas mulheres. Essas regalias eram forçosamente patrocinadas pela pensão que a mãe recebia do finado coronel. As mulheres que saiam com ele eram seduzidas através das redes … Ler mais

FORÇA NA PERUCA

Depois de anos a fio dedicados à devastação capilar, o tempo regenerou-se e interrompeu o prolongamento da minha testa. Os fios sobreviventes, levo-os para aparos periódicos em barbearia no centro da cidade onde encontrei, sábado passado, o general numa das cadeiras, à espera da tesoura. – Só as pontas, soldado. Desobedeça-me e irá apodrecer no … Ler mais

O SUMIÇO DA IRMÃ

Preta e Morena, embora morassem em bairros distantes, se encontravam todos os meses no centro da cidade. Cumprimentavam-se e caminhavam até a agência bancária onde resgatavam a aposentadoria; depois, cumpriam o roteiro tradicional. Não foi diferente no mês da greve dos caminhoneiros, quando legumes, verduras e demais alimentos atingiram preços estratosféricos. O primeiro estabelecimento frequentado … Ler mais

CAFÉ AMARGO

Cursava o sexto semestre de Direito e trabalhava como secretária em escritório advocatício na Avenida Paulista. Nos intervalos vespertinos, atravessava a rua e saboreava croissant acompanhado do melhor macchiato com caramelo da capital. Apreciava a cafeteria devido à clientela sofisticada. Conhecera, há poucas semanas, as irmãs médica e empresária. O primeiro contato só aconteceu porque … Ler mais

PECHINCHA NO BRECHÓ

A velha esgrouvinhada, trazia os dedos pressionando as palmas das mãos. Não, não se tratava de artrite. Sovinice mesmo. Viúva, era proprietária de inúmeros imóveis e contas bancárias milionárias no país e exterior, herdados com a morte do marido. Residia no Jardim América, na capital, em mansão que implorava reformas. Era tão sovina, mas tão … Ler mais

MEIAS-ENTRADAS

Barbeou-se demoradamente, contemplando-se todos os ângulos, ensaiando olhares e sorrisos. Escovou os dentes e aspirou o hálito. Desnudou-se e se demorou no banho. Depois, enxugou-se e derramou perfume importado em locais estratégicos. Alinhou fios dourados. Cofiou o bigode. Vestiu-se com o que tinha de melhor para proteger-se do inverno. Iria ao cinema com a namorada. … Ler mais