22: BINGO!!!
Nas férias do ano passado, num finzinho de tarde, meu veículo se rebelou. Há muito suplicava reparos. Caixa de câmbio emperrada. Pneus mais carecas do que eu. Faróis com cataratas. Motor queimando óleo. Freios sai-da-frente-pelo-amor-de-Deus. E por aí vai.
Minha sucatinha arriou num vilarejo esquecido na montanha. Perguntei a moradores onde conseguiria um mecânico.
— Aqui só tem bicicreta, cavalo e carroça, moço. A gente num carece de mecâno.
— Talvez eu encontre um na cidade vizinha. Fica longe?
— Fica não. De cavalo, dois dia. De a pé, uns par grandão de dia.
Para piorar a situação, naquele fim de mundo não havia sinal de celular. O jeito era procurar um lugar para passar a noite.
— O moço pode ficá na minha paioça — ofereceu o de bigodinho.
— Pode não — retrucou o ruivo enferrujado — Sua tapera tem purga pra mais de metro.
— Só se ele ficá na casa do padre.
Levaram-me ao sacerdote.
— Seja bem-vindo, meu filho. Será um prazer acolhê-lo na casa paroquial. Entre, vou mostrar o seu quarto.
Era um espaço modesto, cheirando a mofo. Cama com colchão de palha. Lençol remendado. Pequena cômoda. Quadro da Sagrada Família na cabeceira da cama. Era o que de melhor havia.
—O banheiro é ali, com chuveiro. Fique à vontade. Preciso celebrar a missa. Vai ter bingo depois. Venha jogar conosco.
Tão logo ele saiu, banhei-me. Em seguida, caminhei pelas ruelas até encontrar as barraquinhas. Comia um bolinho caipira quando a missa terminou. Em pouco tempo as pessoas se reuniram em mesinhas para jogarem bingo. Duas mulheres passavam de mesa em mesa vendendo cartelas. Como não tinha nada pra fazer, resolvi participar.
— Alguém tá sem cartela? Não? Então vamos começar. Valendo o prêmio surpresa oferecido pela viúva Genoveva.
O padre girou várias vezes o globo, tirou a primeira pedra e disse:
— Letra B. Um atrás do outro.
Nunca joguei bingo. O que o padre queria dizer com aquilo? Vendo-me pensativo, a vizinha de mesa me acudiu: É 11. Você tem. Ponha um grão de milho no 11.
— Letra N. Idade de Cristo.
— 33. Você também tem.
— Letra B. Começou o jogo.
Depois de várias pedras, o velhinho boca murcha gritou: Bingo! Foram conferir a cartela. Comeu barriga.
O bingo continuou. Faltava-me apenas uma dezena quando o padre cantou:
— Letra I. Dois patinhos na lagoa.
Para minha frustração, o velhinho bingou, novamente. Dessa vez, sem erro. Então, Genoveva levou a ele, a caixinha decorada com laço azul. Emocionado, desfez o embrulho sob olhares curiosos.
— Sou muito sortudo! Que premião eu ganhei!
— Mostre pra gente.
— Ganhei uma… Dentadura — disse experimentando o prêmio.
— Era do meu finado marido. Tem dois dentes quebrados, mas tá seminova.
Pensei: por uma dezena quase ganhei a dentadura. Saí de fininho. Imagine se entre os outros prêmios houvesse cueca furada, escova de dente esgarçada, meias chulezentas, pentes piolhentos…