Abuso de autoridade

A lei sobre abuso de autoridade entrou em vigor dia 3 de janeiro de 2020. A nova legislação atinge, entre outros órgãos, integrantes de polícias, Ministério Público e Judiciário e especifica condutas que devem ser consideradas abuso de autoridade, além de prever punições. Boa parte das ações já era proibida, mas de maneira genérica e com punição branda.Aprovada em setembro, a nova lei tramitou com rapidez após a divulgação de mensagens trocadas entre integrantes da Lava-Jato, em meados do ano passado. O presidente Bolsonaro chegou a vetar pontos da lei, mas eles foram depois derrubados pelos parlamentares.

Há pelo menos seis ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) no Supremo Tribunal Federal que contestam cerca de 20 pontos da lei.

Mas qual o objetivo desta lei, uma vez que a maioria das ações já eram vedadas? O texto, em vigor, especifica 45 condutas de agentes públicos no Brasil, como policiais, membros do Ministério Público, do Poder Judiciário, políticos e ministros que devem ser consideradas como abuso de autoridade, mas o objetivo é punir o responsável pelas violações.

Que condutas são consideradas abuso?

Alguns exemplos: Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem que antes a pessoa tenha sido intimada a comparecer em juízo; Invadir ou adentrar imóvel sem autorização de seu ocupante sem que haja determinação judicial e fora das condições já previstas em lei; Manter presos de ambos os sexos numa mesma cela ou deixar adolescente detido na mesma cela que adultos; Dar início a processo ou investigação sem justa causa e contra quem se sabe inocente; Grampear, promover escuta ambiental ou quebrar segredo de Justiça sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei; Divulgar gravação ou trecho sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado; Mandar prender em manifesta desconformidade com a lei ou deixar de soltar ou substituir prisão preventiva por medida cautelar quando a lei permitir; Violar prerrogativas do advogado asseguradas em lei; Continuar interrogando suspeito que tenha decidido permanecer calado ou que tenha solicitado a assistência de um advogado, dentre outras ações.

Para que as condutas dos agentes públicos sejam consideradas criminosas, é preciso que o ato seja praticado com a finalidade de prejudicar alguém, beneficiar a si mesmo ou a outra pessoa ou que seja motivado por satisfação pessoal ou capricho.

Que exemplos de casos da Lava-Jato poderiam ter sido enquadrados na nova lei, caso ela já estivesse valendo à época? Condução coercitiva: quando foi conduzido coercitivamente, em março de 2016, o ex-presidente Lula não havia sido intimado a depor na investigação. Com a lei, isso fica vetado; Diálogos: em março de 2016, por ordem do então juiz Sergio Moro, foi tornada pública uma série de telefonemas trocados entre Lula e outras pessoas de seu convívio, como a sua mulher e filhos. O novo texto pune quem divulgar gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada; Prisão preventiva: a Lava-Jato usou em larga escala a prática das prisões preventivas. A lei agora pune quem, “dentro do prazo razoável”, deixar de relaxar a prisão “manifestamente ilegal, deixar de substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou deixar de conceder liberdade provisória quando manifestamente cabível”, dentre outras condutas arbitrárias.

A lei federal anterior sobre abuso de autoridade é de 1965. O Código Penal, de 1940, também trata do tema em um dos seus artigos. O texto de agora impõe regras mais detalhadas e rígidas.

O tema levanta um embate antigo na comunidade jurídica, na classe política e na sociedade sobre excessos cometidos por autoridades no Brasil, raramente punidos judicialmente.

Uma parte da sociedade defende a necessidade de tornar a legislação mais dura e vê nas sanções atuais uma expressão de impunidade. Já outra parte afirma se tratar de um freio à atuação profissional e ao cumprimento dos deveres legais das autoridades.

Ora, se foi necessária a reedição de uma lei contra o “abuso de autoridade”, com penas mais severas e abrangência maior, é porque algo estava em desconformidade. Aguardemos…