Proseando : A CARA DO PAI
Um metro e noventa de altura. Noventa e dois quilos. Mais branco do que o leite. Quase transparente. Por isso, braços e pernas escancaravam cartografias arteriais. Os cabelos e a barba imitavam fios de sol; os olhos, o céu desanuviado. Devido à compleição europeia recebeu, na infância, a alcunha de Alemão.
Alemão casou-se com anamoradinha do jardim de infância: a ruivinha de olhos arredondados, quase tão branca quanto ele. Nas bodas de algodão ela engravidou, tornando-o o homem mais feliz do mundo.
Na 37ª semana a bolsa arrebentou. Desesperado com o dilúvio colocou-a no automóvel e acelerou até o hospital. Assim que a conduziram à sala de cirurgia, ligou para o melhor amigo.
– Ela já entrou na sala de parto. Vem depressa, por favor!
O amigo não demorou. Encontrou Alemão roendo unhas, andando de lá pra cá, de cá pra lá, choramingando preocupações.
– Tudo vai correr bem. Fique tranquilo.
– Deus te ouça. Queria alguém da família, mas nossos pais morreram. Somos filhos únicos. Obrigado por ter vindo.
Nasciam poucas crianças naquela cidade. Naquele dia, por exemplo, apenas duas parturientes.
– Será que vai ter a minha cara?
– Tá querendo ser pai de filho feio? Tomara que puxe a mãe.
Alemão resmungou.
– Relaxa, rapaz. Relaxa. Se continuar nervoso vão internar você.
Para distraí-lo, o amigo desfiou política, futebol, e outros assuntos. Durante a tagarelice, a enfermeira apareceu com o pacotinho nos braços. Sorriu para ambos e perguntou:
– Quem é o pai?
– Sou eu! Sou eu! Deixe-me pegar no colo!
A enfermeira negou e, com afabilidade, pediu para que observasse o filho através do vidro da maternidade. Alemão e o amigo espremeram o nariz na placa divisória, acompanhando a enfermeira desembrulhar o herdeiro.
Alemão chorou soluços quando viu o menino mexendo perninhas e bracinhos.
– Meu filho! Como é lindo o meu filho! É a cara do pai!
O amigo atentou para pequeno detalhe:
– Tem olhos nipônicos. Não é seu filho.
– Repita isso que arranco seus dentes. Tá insinuando que minha ruivinha pulou cerca? Por ela ponho a mão no fogo.
Alemão esbravejava e reavaliava o menino. Em razão da gritaria, a enfermeira reapareceu pedindo silêncio.
– Tem certeza que é filho dele? Meu amigo não tem olhos puxados.
Ela fez a comparação e enrubesceu. Explicou que, sem dúvida, ocorrera um engano. Havia outro parto. O filho seria o outro. Depois, deixou o ambiente e voltou circunspecta, com a outra criança no colo. Não disse um “a”. Sem tirar a manta, colocou o recém-nascido na incubadora e desapareceu. Aos poucos, os movimentos do bebê o desembrulharam.
Alemão arregalou os olhos, ficou boquiaberto e desmaiou quando viu que a criança era um lindo… negrinho.