Proseando : A CIGANA NÃO SE ENGANA

— Você me acha bonita?
— O quê?
— Bonita. Você me acha?
Ele ficou perplexo. Petrificado, melhor dizendo. Durante alguns segundos tentou se convencer de que era uma pegadinha. Alguém devia estar escondido e rindo da sua cara de sei-lá-o-quê.
— Sou bonita ou não sou?
Quando saísse dali iria socar a cara do Raimundinho, o amigo que contribuiu para aquele constrangimento. Disse-lhe o amigo: “Aqui está o endereço. Vai lá. Preste muita atenção no que a cigana vai dizer. Você não quer errar de novo, quer?” Claro que não queria. Mas pra quê aquela pergunta? Pra quê?
— Me acha bonita?
Não teve jeito. Engoliu seco, desviou os olhos da mulher e disse:
— Sim.
O monossílabo não a convenceu. Ela insistiu até ele honestizar.
— A senhora talvez tenha sido muito bela quando jovem, mas agora, sinceramente…
Ela riu.
— Agora olhe dentro dos meus olhos.
“Essa velha não bate bem — pensou — Preciso dar o fora daqui”.
Antes de qualquer tentativa de fuga, ela segurou as mãos dele e o puxou.
— Dentro dos meus olhos. Olhe.
Tentou não olhar, mas olhou. Olhos de safira. Hipnóticos.
— Já basta. Sente-se ali. Não precisa me dizer nada. Sei por que veio me procurar.
— Sabe?
— Sei. Você tem mais de quarenta. Quarenta e oito. Não tem filhos. É um empresário bem sucedido. Agnóstico. Foi casado duas vezes e depois teve algumas namoradas. Tem o “dedo podre”, como costumam dizer. Você sempre escolhe mulheres que o faz sofrer. Errou em todas as escolhas e não quer errar mais.
— Foi o Raimundinho quem contou, não foi?
— Raimundinho? Quem é Raimundinho? Eu sei lá quem é Raimundinho.
Ela continuou:
— Pessoas escolhem pessoas que atendam a determinados padrões. Muitas mulheres, por exemplo, se alvoroçam com homens cheirosos, de corpo sensual, mas preferem aqueles com dinheiro saindo pelos poros. Por sua vez, os homens escolhem, principalmente, seios e nádegas. De qualquer forma, as escolhas são feitas considerando a casca, não o conteúdo. Quer um conselho? Não ame o corpo, ame a substância. O corpo se arruína, a substância, não.
Enquanto ela falava, ele mergulhava na profundidade dos olhos dela. Olhos de safira. Olhos cor do céu. Olhos cheios de paz e sabedoria. Quando ela concluiu, ele suspirou e perguntou:
— A senhora quer se casar comigo?

  • Maurício Cavalheiro ocupa a cadeira nº 30 da APL - Academia Pindamonhangabense de Letra