A diferença de infâncias com e sem acesso à tecnologia
Em um mundo totalmente conectado, crianças revelam as distantes realidades de quem tem e de quem não tem acessibilidade no universo digital
tEXTO E IMAGENS:
Joyce Dias
Ao ser questionado sobre a sua preferência de lazer, o garoto Joaquim Santos, de 10 anos, responde sem apresentar dúvida: “Eu prefiro meu videogame”. Enquanto isso, desfrutando das paisagens de um bairro rural de Pindamonhangaba, Ezequiel e Marcos usam e abusam de suas criatividades para inventar diferentes tipos de brincadeiras. Já que, ao contrário de Nicolas Santos, a tecnologia não faz parte de suas rotinas.
Em paralelos bem distantes, a tecnologia passa a ter finalidades opostas na vida dos garotos. Enquanto Joaquim e seus três irmãos se divertem com um tablet, um celular e dois tipos de videogame, Ezequiel Fernando, de 14 anos, e seu amigo Marcos Paulo, de 16 anos, aproveitam a natureza para se distraírem e brincarem. Para eles, a única oportunidade que a tecnologia poderia lhes oferecer é a comunicação.
“Eu tenho saudade do meu pai, que não mora comigo e não consigo falar com ele e nem com minha mãe também, que trabalha o dia inteiro”, conta Ezequiel. “Um celular seria bom porque sou eu quem ‘resolve as coisas’ para minha mãe que tem problema de audição”, conta Marcos, ressaltando que sente falta de um meio de comunicação para contatar a mãe em caso de precisar se distanciar dela para resolver qualquer situação.
Mas ao redor disso, a amizade entre eles transcende e essa necessidade é mínima em meio à tamanha criatividade em que os garotos têm para se divertirem. “A gente inventa nossas brincadeiras”, relata Ezequiel, que com seu amigo construiu uma ‘casinha’ em cima de uma árvore próxima a sua residência. “Aqui não tem nada de tecnologia não”, admitem. Eles não possuem acesso à tecnologia por motivos financeiros.
Já na casa de Solange Santos, mãe do Joaquim e de mais três meninos com idades entre 2 e 12 anos, é diferente. A criatividade de seus filhos depende da energia elétrica que sustenta os diferentes tipos de atrativos tecnológicos dos pequenos. “A geração de hoje é rápida, ninguém mais vai querer ficar lendo livros”, afirma Solange.
Um de seus filhos, o Nicolas, de 12 anos, começou a fazer um curso de informática porque, segundo Solange, “é à base de tudo”. Para ela, a habilidade do Nicolas em manusear o computador é uma oportunidade para abrir portas no futuro do garoto. “Ele sabendo mexer no computador tudo fica mais fácil”, declara.
Até o caçula da casa, Murilo Santos, de 2 anos e 6 meses, se conecta nos desenhos e nos jogos do celular. Para a dona de casa, que também é estudante de pedagogia, essa também é uma oportunidade de seus filhos “não ficarem na rua”. Porém, mesmo com toda essa conexão com a modernidade, Solange afirma:“eu controlo tudo o que eles jogam e assistem”.
A psicopedagoga e neuropsicopedagoga, Bruna Monteiro, afirma que o problema não está no uso da tecnologia, mas na forma do uso. “Tudo depende da mediação em que os pais fazem desse recurso”, explica. A modernidade não pode substituir hábitos, costumes e nem atividades sociais. Segundo a psicopedagoga, “não é comprar um sossego. De repente, é uma oportunidade de também ter aprendizado”.
O estudante Magno Júnior, de 13 anos, conta que em sua escola não podia utilizar celular. E há um mês a gestão escolar decidiu alterar essa regra e aproveitar a tecnologia para auxiliar no processo de aprendizado dos alunos. “Antes, nos intervalos, meus amigos ficavam pelo pátio da escola jogando jogos de tabuleiro, e agora todos jogam pelo celular”, conta o estudante – que também utiliza seu aparelho para fazer pesquisas escolares. “Agora é melhor, porque coisas que eu precisava fazer em casa, eu posso fazer rápido e aqui na escola mesmo”.
A psicopedagoga acentua também que “o papel do adulto faz a diferença”. Já que hoje é preciso acompanhar para equilibrar o uso digital das crianças e dos adolescentes e evitar prejuízos psicomotores, ganho de peso e até mesmo problemas de visão. “O uso excessivo desses recursos, pode interferir e atrapalhar o sono, o sistema imunológico e até mesmo o fator de crescimento neuronal nos primeiros anos de vida da criança”, explica.
Segundo uma pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.Br), 79% das crianças e dos adolescentes com idades entre 9 e 17 anos são usuários da internet – o que corresponde a 23,4 milhões em todo o País. Nesta mesma pesquisa, foi revelado também que 15% das crianças e dos adolescentes (equivalente a 4,5 milhões de pessoas) não se conectavam à rede devido à ausência de conexão à internet em suas casas.
Com tecnologia, ou sem tecnologia, pode-se dizer que entre essas diferentes realidades existentes na sociedade infantil, as crianças vivem em busca do mesmo objetivo: a felicidade. Com acesso ou sem acesso, elas vivem conectadas por uma rede invisível para a tecnologia, porém visível para nossos olhos quando transparece nos sorrisos dos pequenos.
Cabe aos mais velhos saber aproveitar essa situação. Seja ela conectada na distração de videogames. Seja ligada ao amplo mundo de conhecimentos em que a mesma oferece. Seja ela conectada à natureza por meio de uma amizade que supera qualquer necessidade dos meios de comunicação.