História : A sagacidade de um professor abolicionista

Partidário das ideias de libertação, Athayde Marcondes, escritor, poeta, músico, político, jornalista e professor, também se destacou como ferrenho defensor da abolição da escravatura em Pindamonhangaba

Em 1915, quando era o diretor do jornal Tribuna do Norte, Athayde Marcondes lembrou na edição comemorativa à Libertação do Escravos no Brasil, a de 13 de maio daquele ano, um fato relacionado aos abolicionistas ocorrido na Pindamonhangaba anterior à libertação e no qual ele estivera envolvido.

 

Narra o historiador que os abolicionistas locais eram poucos, mas a atuação deles incomodava os fazendeiros contrários à abolição. Recorda que certa vez estavam os fazendeiros adeptos da mão escrava reunidos na casa de um deles quando – conforme a grafia utilizada por Athayde: “um tabaréu meteu-se a sebo e propôs para se escrevê pra princesa pra ela ordena a prisão dos abolicionista”.
Denominando “patife” ao autor de tal proposta, o escritor conta que “…graças ao bom senso de alguns fazendeiros ilustrados”, o que se propusera ali não foi em frente.
Revela, eram poucos os abolicionistas: “O partido compunha-se do Dr. Espíndola, Dr. Gusmão, Dr. Leão Veloso, Dr. João Romeiro, Padre Miguel, Dr. Gregório Costa, Dr. Francisco Romeiro e outros”. Já os fazendeiros escravocratas frequentemente estavam se reunindo pra fazer alguma coisa contra os abolicionistas, mas segundo Athayde, “nada fizeram”.

Destaca o abolicionista professor Athayde Marcondes que “em princípio do ano de 1888 o partido resolveu libertar o município. E libertou! Esse acontecimento deu-se no dia 22 de fevereiro”. E prossegue: “Desse dia em diante a onda abolicionista cresceu muito. Arrancavam-se escravos dos trens e isso tudo se fazia com calma… e costas quentes”.

Segundo Athayde, nesse tempo, ainda estava no poder um político contrário à abolição, o barão de Cotegipe, considerado o “rei dos escravocratas – o sr. B. de Cotegipe, primava pelo autoritarismo e pelo sentimento escravocrata que o dominava. E foi nesse clima, conta o professor, que um capitão-do-mato achou de lhe dar ordem de prisão caso ele desse “vivas à liberdade”.
Ironizando, ao comparar a crime hediondo dar vivas à liberdade, o escritor continua: “E todo investido de sua alta patente e de autoridade severa, o capitão do mato deu ordem a um alferes que aqui estava comandando uma força, que veio de São Paulo para dominar o movimento!”.

A prisão do “professozinho Tavide”

Athayde Marcondes era o conhecido “professorzinho Tavide”. Neste artigo na Tribuna, ele escreve que tudo se passou na estação da Estrada de Ferro Central do Brasil onde, naquele dia, se encontrava uma força policial. Narrado pelo próprio Athayde, segue o desenrolar do acontecimento:
“- Você penda o Tavide, dizia o tal capitão do mato, ao alferes, que admirado. Perguntou: – mas quem é esse Tavide?
– É um professosinho de óculo, penda ele, porque é o mais assanhado de tudo, replicava o tal.
O sr. me mostre esse gajo que eu prendo mesmo! (Ui!)
O diabo do alfere, um tipo simpático, porém com ares de quem sofria de ética, e portanto, sôfrego, nervoso e enfezado, queria cumprir as ordes! Eu quis ver de que pau era a canoa e ouvindo tudo que se faltava, sem ser visto, cheguei-me ao alferes e disse-lhe: o Tavide sou eu, seu alferes! Deixei-o, subi em uma balança que estava junto à porta de um compartimento da estação, que hoje é o gabinete para senhoras, tirei o lenço do bolso acenei e berrei:
– Viva liberdade! Viva Antonio Bento! Viva…. e não terminei a frase! Um rolo medonho! Deram-me um ‘coup de baionétte’, como dizia o alféres, no ombro, e fui preso! O delegado e o alferes satisfizeram seu desejo e era uma vez o professôsinho! Estava preso à ordem do dito cujo!
Mas qual! Nesse momento chegava à estação o rei dos abolicionistas cá da terra, o Dr. Leão Veloso, juiz de Direito da Comarca.
Nunca senti as costas tão quentes ao ver o meu ilustre chefe de abolicionismo! Meio falando, meio gritando chamei o distinto magistrado que me atendeu prontamente.
– Que é isso? Disse-me ele.
– Estou preso sr. doutor! Esses dois soldados me querem levar para a cadeia por eu ter dados vivas… requeiro habeas corpus a V. Excia., verbalmente!
– Esperem! Onde está o delegado?
Ele e o alferes comentavam: – Lá vai o pombinho abolicionista pra gaiola! Mas logo que viram o mantena… o negócio foi outro. O Dr. Leão Veloso conversou com o dito cujo e no mesmo instante, na estação, fui solto!
Ah! Santo Deus! Nunca dei tantos vivas à liberdade, – (à dos cativos e à minha!) Gritei tanto que foi preciso minha saudosa mulher arranjar-me uma ‘meisinha’ para me curar a rouquidão!”

Tempo passou… Athayde Marcondes conta que acabou ocupando o cargo de polícia que o capitão-de-mato ocupava. Um belo dia se encontraram no circo de cavalinhos, cujo espetáculo ele estava presidindo.

Ao vê-lo, lembrou-se do passado e ao desafeto disse: “…agora tu me pagas! Tu é que vais ser meu pombinho, se me desautorares sala livre pra um (ele era capitão … do mato). Mas… nunca lhe fiz mal!

Mesmo com o bastão… não fui vilão e perdoei-lhe o mal que me fez!…Coitado!.”
Concordamos que este último parágrafo ficou um tanto confuso, porém está conforme o escrito do mestre na Tribuna. Também acreditamos que a denominação capitão-do-mato usada por Athayde definia uma pessoa investida dos direitos de uma autoridade policial. Não era de fato um capitão-do-mato de acordo com o ofício dos caçadores de negros fugitivos nos tempos de Pedro II, rei do Brasil.

 

 

Notas referentes

Athayde Marcondes. José Athayde Marcondes (Taubaté, 1863 – Pindamonhangaba, 1924). Escritor, historiador, professor, musicista, político, poeta e jornalista. Filho de Luiz Lemes Marcondes do Prado, musicista e compositor sacro, e Marianna Marcondes do Prado.
Fonte: Arquivo Tribuna do Norte

Pedro Leão Veloso Filho. O Dr. Leão Veloso ao qual se refere Athayde é o Dr. Pedro Leão Veloso Filho (Inhambuque, Bahia, 1856 – Paris, França, 1923), magistrado, político, chefe de polícia e jornalista. Foi juiz da comarca de Pindamonhangaba de 1885 a1889, aqui tendo nascido seu filho, o diplomata, embaixador e Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Dr. Pedro Leão Veloso Neto.
Fonte: http://cpdoc.fgv.br › verbetes › primeira-republica)

B. de Cotegipe. João Maurício Wanderley, o Barão de Cotegipe (São Francisco de Chagas da Barra do Rio Grande,1815 — Capitania de Pernambuco, 1889), magistrado, político brasileiro, presidente do senado, ministro das Relações Exteriores, ministro da Fazenda, ministro da Marinha, presidente do Banco do Brasil e senador pela Província da Bahia. Senador escravocrata foi voto contrário te à aprovação da Lei Áurea.
Fonte: Wikipédia – a enciclopedia livre

Capitão-do-mato. Serviçal de uma fazenda ou feitoria encarregado da captura de escravos fugitivos. Na sociedade brasileira gozavam de pouquíssimo prestígio social e eram suspeitos de sequestrar escravos apanhados ao acaso, esperando vê-los declarados em fuga, para devolvê-los aos donos mediante o pagamento de recompensa.
Fonte: wikipedia – a enciclopedia livre

  • Arquivo TN Athayde Marcondes, o abolicionista “professor Tavide”
  • Wikipedia Barão de Cotegipe, o escravocrata, incomodado com a Lei Áurea disse à princesa Izabel: “A senhora acabou de redimir uma raça e perder o trono!”. A resposta de Izabel foi: “Se mil tronos eu tivesse, mil tronos eu daria para a libertação dos negros”
  • Dr. Leão Veloso foi juiz da comarca de Pindamonhangaba
  • crédito@laurentinogomes Ilustração do pintor Johan Mortiz Rugendas mostrando um escravo fugitivo recém-capturado por um capitão-do-mato