Proseando : ACAMPAMENTO

A mirrada renda do pai era suficiente apenas para a subsistência familiar; por isso, o menino foi obrigado a trocar a festa de aniversário pelo acampamento no quintal e sessão de cinema, financiada pelo padrinho. Sendo assim, no fim daquela tarde outonal, ele e a mãe marcharam ao shopping, onde o único filme em exibição era: Batman – O Cavaleiro das Trevas.
Na fila, o menino franziu o cenho e empacou diante da mãe com ingressos na mão. Para desfazer a rebelião, ela o arrastou pelas orelhas até a poltrona numerada. Em protesto, ele colocou o queixo no peito e cruzou os braços. Mas, assim que as luzes se apagaram, a magia da sétima arte desativou a birra.
Horas depois, quando a sessão terminou, o menino voltou para casa tagarelando sobre as cenas de que mais gostara. Não se calou nem mesmo quando a mãe virou a chave para abrir a porta.
Ao acender a luz, viu o morceguinho em voo rasante pela sala. Sem conter o grito, bateu a porta, violentamente, e, agarrada ao filho, foi se sentar na calçada.
Minutos depois, o pai apareceu pela rua banhada de luar.
– O que estão fazendo aqui fora?
A mulher contou sobre o morcego e exigiu providências. Ele estremeceu.
– O que quer que eu faça?
– Sei lá. Vai lá dentro e bote ele pra fora. Com ele lá eu não entro.
– Não precisa ter medo de um bichinho inofensivo.
– Medo, não. Pavor.
– Bobagem.
– E se for vampiro, pai?
– Vampiros não existem – respondeu com insegurança.
– Então entra e tira o bicho de lá – insistiu a mulher.
Ele não entrou. Certa vez, em uma madrugada da adolescência, assistiu, escondido, ao O Conde Drácula, na fazenda do tio. Durante o filme, um morcego entrou pela janela, fez voos rasantes e sumiu na escuridão do corredor. Segundos depois, pelo mesmo corredor, surgiu o homem de cabelos arrepiados, olhos fechados, com os braços esticados na horizontal, caminhando na direção dele. Apavorado, disparou na direção do quarto, onde se trancou. No dia seguinte disseram-lhe que o homem era o avô sonâmbulo. Ele não acreditou.
– Tá esperando o quê? – esbravejou a mulher.
– Vamos fazer o seguinte: deixa o bicho lá. Deve estar assustado. Esta noite vamos acampar no quintal, com o filhão. Antes de ir pro haras, deixei tudo arrumadinho. Na barraca tem travesseiros, cobertores, colchões, lanterna… Amanhã de manhã a gente tira ele.
– A gente tira? – gritou a mulher – Eu não tiro nada. Você tira.
Aos resmungos, atravessaram o quintal e entraram na barraca emprestada cheia de buracos. Deitaram e se cobriram. Apontando um dos maiores orifícios da lona, o pai se arriscou na astronomia.
– Aquelas três estrelas são Mintaka, Alnilan e Alnitak, popularmente conhecidas como as Três Marias.
O menino, seduzido pelas explanações do pai, apontou para outros buracos e perguntou:
– Pai, e aquelas estrelinhas que estão piscando… qual o nome delas?
O pai direcionou a lanterna para o lugar indicado.
– Não são estrelas… São olhos de morcego!
E desmaiou.

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