História : Agonia

Olhos velados por uma cortina de lágrimas suarentas e encaveiradas, mãos magérrimas, de veias inchadas como cordoveis estendidos sob a pele enrugada e morena…

O desgraçado olhou-se, depois viu-se em tempo pouco remoto, na adolescência, mas não se quis reconhecer: nos seus lábios emurchecidos de tísico, espoucaram os soluços convulsivos de quem sabe que vai morrer.

Pensou: – “Mas porque meu Deus? Tão moço… tão moço e condenado! E a minha vida fugindo para o abismo… Saber que ela terminará com a última hemoptise… Porque, meu Deus? Por quê?

Lembrou-se, depois de sua terra. Viu-se na cidadezinha pobre e alagada de luz e afogada em rosas vermelhas de uma primavera quase eterna. Mas a tosse tirou-o do pesadelo: pegou um velho retrato e olhou a mãe encanecida pelos sofrimentos. Lembrou-se da vida e da última hemoptise.

– E quando ela soubesse!
Nas suas mãos rugosas e morenas, as veias inchadas se distenderam mais. A cortina de lágrimas velou-lhe novamente os olhos que já não viram a fisionomia torturada da velha.
Ah!
Tossiu.

Lá fora, na noite de carvão, uma coruja, sarcástica, derramou o seu mau agouro.

Saulus Junior, Tribuna do Norte, 12 de março de 1933

  • Óleo sobre tela Versailles, Musée du Château et des Trianons