Proseando : AO PÉ DA LETRA
Foram os filmes que assistiu na casa dos avós que despertaram nele o desejo de ser super-herói. Durante a infância, importunou a avó para que fizesse capas, máscaras e outras fantasias. E ela, com paciência de Jó, sentava-se à máquina de costura e produzia sonhos.
Ao avô sobravam outras incumbências, como providenciar espadas, escudos e até fazer-se de cavalinho. Os “superpoderes” do menino deixaram a cristaleira manca, com vidros trincados. Mas os alvos preferidos eram os animais domésticos. A cicatriz no rosto fora consequência da reação canina diante de investida mais agressiva.
Ele cresceu sem abandonar o sonho. Aos quinze, sobre galho da mangueira, com toalha de mesa amarrada ao pescoço, disse ao irmão que voaria igual ao super-homem. Não adiantou o apelo desesperado para que desistisse. Horizontou os braços e alavancou-se. Estatelado no chão, com dentes a menos, assoprava: “Eu voei. Eu voei”.
Receando algo pior, os pais o levaram ao psicólogo. Foi lá que descobriu que poderia ser super-herói sem ter superpoderes, como os salva-vidas e os bombeiros.
O tratamento prossegue até hoje. Quem o conhece diz que “ele não bate muito bem”. Mesmo assim,conseguiu entrar no Corpo de Bombeiros. No primeiro dia, maravilhado pelo fardamento, olhava-se no espelho e afirmava: “Agora você é um super-herói de verdade!”.
A primeira missão foi resgatar a mulher que subira na árvore para apanhar abacates. O comandante o advertiu:
– Vá com calma. Ela está em estado de choque.
– Estado de choque? Peraí que vou ligar pro meu primo. Ele é eletricista. Não quero morrer eletrocutado.
O comandante chegou a rir, mas não o livrou da advertência.
Outros casos semelhantes ocorreram. Mas houve um que encerrou a carreira do super-herói. Em tarde sem ocorrências, ele resolveu ligar à esposa. Ciumento que era, queria saber onde estava.
– Estou no Pechinchão. Bateria no fim. Está havendo grande queima…
A ligação caiu. Ficou desesperado. Contou ao comandante sobre incêndio de grandes proporções. Segundos depois, viatura já se deslocava até o estabelecimento. Assim que chegaram, sem autorização, se apoderou da mangueira e ordenou que a abrissem. Jatos intensos encharcaram a loja toda. O comandante interrompeu a operação quando um dos clientes gritou:
– Vocês estão loucos!?
– Estamos debelando o incêndio e você nos chama de loucos?
– Que incêndio? Onde vocês viram fogo? Nem fumaça tem.
No meio da confusão, a esposa apareceu mais molhada do que peixe de aquário. Explicou:
– Não há nenhum incêndio. Apenas uma grande queima… de estoque.