Aos 102 anos, moradora de Pinda vence o medo de andar de avião
A aventura aérea é só uma entre tantas histórias que Dona Alzira tem pra contar. Uma delas é que aprendeu a ler aos 50 anos
O andar é lento, os gestos são vacilantes, a fala é trêmula, mas os olhos… Esses são saltitantes, alegres e brilhantes. Enquanto ela fala, o olhar passeia, ora nos encarando, ora sorrindo, ora mergulhando nas lembranças.
E não são poucas! Afinal, 102 anos de memórias tentam se organizar na mente ágil da pequena senhora.
Dona Alzira do Amaral Marcondes completou 102 anos na última sexta-feira (13), mas não quis comemorar. Ela afirma que não gosta de festa. Gosta mesmo é de ficar em casa, cuidando de seu jardim florido, na companhia da nora e dos netos. Ela também adora receber visitas e faz questão de preparar, ela mesma, um café coado na hora para quem chega.
Apesar da idade, ela afirma que não tem muito o que contar. “Minha vida é simples, moça. Não tenho nada importante para falar”, garante ela, um pouco tímida. E emenda: “Quer saber da viagem?”
Ela refere-se à sua primeira viagem de avião, presente do neto pelo seu aniversário. A princípio, ela não encarou a novidade como presente. “Eu sempre tive muito medo de avião. Quando ele chegou e me contou que havia comprado as passagens, eu quase desmaiei. Falei que não ia nem morta!”
Dona Alzira só aceitou viajar porque era um passeio à Vitória, no Espírito Santo, para a casa de um pastor muito amigo, a quem ela não via há muitos anos. “Só concordei porque estava com muita saudade dos meus amigos de lá. Mas logo comecei a orar para Deus tirar todo o medo do meu coração”.
Evangélica, Dona Alzira resolve tudo com oração. “Qualquer problema, coloco logo ‘embaixo do joelho’. Oro e converso com Deus, porque é Ele quem tem todas as respostas”.
Assim, no dia 25 de dezembro, Dona Alzira, acompanhada da nora e do casal de netos, deixou o medo de lado e embarcou na maior aventura da sua vida. “Nunca imaginei que ia viver isso com mais de cem anos. Mas foi muito bom. O avião não era nada do que eu esperava. E os comissários foram muito gentis comigo, até pediram para tirar fotos. Foi uma benção!”, detalha.
Depois de vencer o desafio, Dona Alzira garante que gostou da experiência e quer repetir. “Se eu ganhar outra viagem, eu vou de novo, sem medo nenhum”.
Vida simples e namoro à moda antiga marcaram juventude
Dona Alzira, que nasceu no bairro Cruz Pequena, sempre morou com os pais e os irmãos “na roça” até os nove anos, quando recebeu um convite para vir morar na cidade e ajudar a cuidar dos filhos de uma comerciante portuguesa. Viveu com essa família até se casar.
Seus patrões tinham um comércio ao lado do Batalhão do Exército. Na hora do almoço, o dono pedia que ela ficasse vigiando o estabelecimento enquanto ele almoçava. “Eu ficava na porta e via um soldado na guarita em cima do muro do quartel me olhando. Todo dia ele me olhava e eu pensava: o que esse soldado tanto olha?”
Um dia, o soldado tomou coragem, bateu no portão da casa da patroa de Dona Alzira e a pediu em namoro. “Eu aceitei, mas era um namoro que a gente nem conversava. Ele só passava na frente do portão e sorria. Foi assim por meses, até que ele pediu para ir conversar com o meu pai”.
A visita à casa dos pais foi a primeira vez que Dona Alzira, que tinha 19 anos, ficou a sós com José Benedito Marcondes, seu então futuro marido. Eles foram a pé até a Cruz Pequena, para que ele tivesse a permissão dos pais dela para ficarem noivos.
Antes de deixá-lo falar com seus pais, ela fez três perguntas para o namorado: “Perguntei: Você fuma? Você bebe? Você é mulherengo?” Diante de três respostas negativas, ela fez a última pergunta: “Você gosta de mim?”. Quando o soldado respondeu: “Eu te amo!”, Dona Alzira percebeu que ele podia ser o homem certo para ela. “Foi uma boa decisão. Nos casamos um ano depois. Mas só peguei na mão dele no dia do casamento”.
Já casada, Dona Alzira lembra dos passeios de mãos dadas que fazia com o marido. “As pessoas olhavam e diziam: ‘Lá vão os pombinhos!’”.
O casamento durou 56 anos, até que Benedito faleceu, há 22 anos. Dona Alzira não gerou filhos, mas criou sete crianças, entre elas, quatro sobrinhos. “Criei todos com muito amor.”
Fé, família e flores
Para Dona Alzira, suas grandes alegrias são a fé em Deus, a família e as flores do seu quintal. “Se eu vivi todo esse tempo é por Deus. Ele tem cuidado de mim e nunca me abandonou”, destaca ela, que aprendeu a ler aos 50 anos, para ler a Bíblia e faz questão de ir aos cultos semanalmente. “Todos os dias reservo um tempo para falar com Deus. Às vezes eu peço alguma coisa, mas todos os dias eu agradeço a Ele por me dar tantas bênçãos. Deus é muito bom pra mim!”.
O resto do tempo, Dona Alzira dedica à nora e aos netos. “Gosto de cozinhar e de cuidar da casa. Eles não me deixam fazer os serviços domésticos, mas no meu quarto ninguém mexe. Eu faço questão de limpar”.
Para se distrair, ela cuida de suas flores. “Passo horas podando, regando e até capinando quando cresce a grama. Isso me traz paz”.