Proseando : ARTE CANINA
Amante da arte renascentista, não conseguia digerir certas exposições que esparramavam peças esdrúxulas em museus ou espaços para esses fins. Evitava verbalizar opinião por considerar-se possuidor de pouco, ou nenhum recurso para avaliar obras desse catálogo. E o silêncio causava-lhe desconforto. A fim de não ser leviano em considerações, há muito procurava fundamento que o possibilitasse compreender a produção contemporânea. Enquanto isso, secretamente, continuava associando parte considerável da arte de nossos dias à incapacidade de gerar ou reproduzir o que é belo.
Certa vez, aproveitou as férias para ir conhecer pontos culturais de São Paulo. Naquela oportunidade, encontrou o amigo que não via há anos, que o convidou para irem ao Museu de Arte Moderna, no Parque Ibirapuera, onde se realizava exposição de esculturas.
Supunha que não encontraria nenhuma Pietá ou qualquer outra obra que,pelo menos, rascunhasse a genialidade de Michelangelo. Mas a decepção foi ainda maior: encontrou amontoados de pedras dispostos em conjuntos disformes pelo salão.
– Perceba – dizia o amigo – a sutileza do artista: os aglomerados equidistantes remetem-nos à fragmentação da sociedade em grupos heterogêneos, ou não. A simbologia é extremamente forte e nos faz refletir sobre a arrogânciaque nos dissocia.
Considerou a comparação bizarra. Chegou a desconfiar de que o amigo fizesse uso de alucinógenos; por isso, evitou contrariá-lo. Poderia ser perigoso.
Procurou se esquivar das explicações observando os demais visitantes. Concentrou-se na loira com o Lhasa Apso nos braços. O cãozinho, ansioso para desbravar território, recebeu salvo-conduto e correu até o canto inocupado do ambiente. No local escolhido, sem nenhum constrangimento, começou a esvaziar o intestino, enquanto corria em círculo, como se quisesse capturar o rabinho. A loira, pressagiando repreensão vexatória, capturou o animal e foi embora.
Enquanto isso, o conhecimento duvidoso do amigo arrebanhava turistas. Tagarelava sobre pedras que testemunhava serem da lua, quando percebeu a “obra canina”.
– Acompanhem-me. Observem esta magnífica pirâmide esférica. Notem a sutileza do artista. Embora diminuta, produz encantamento que nos remete aos ares do Egito.
Após o breve comentário, ajoelhou-se diante do excremento com o intuito de reverenciá-lo. Equilibrou-se entre as mãos espalmadas no chão e curvou-se, cinematograficamente. Com o rosto muito próximo do montículo, desequilibrou-se provocando o mergulho do nariz na “obra”. Imediatamente, levantou-se nauseado, cambaleante e disse antes de desmaiar:
– Os ares egípcios foram mumificados!