História : As folclóricas brincadeiras de rua da Pinda de antigamente

Em alusão a agosto, mês do folclore, nossa página hoje é dedicada às curiosidades e eventos folclóricos da Pinda de antigamente. Iniciando, recorremos às lembranças de uma inesquecível escritora e poetisa, a professora Eloyna Salgado Ribeiro (1917/1999) para destacarmos, com especial carinho, as folcóricas brincadeiras nas ruas, doces reminiscências a embalar os corações dos mais nostálgicos, pindamonhangabenses ou não.
No livro Nossas Ruas (Câmara Municipal,1993), Eloyna retorna à rua Marechal Deodoro dos últimos anos da década de 20.
…É uma confusão divertida de sons que faz desta rua, talvez, a mais alegre da cidade.Aumenta esta alegria o brinquedo das meninas. Acabam de jogar amarelinha… agora brincam de roda….

Terezinha de Jesus
De uma queda foi ao chão
Acudiram três cavaleiros…

Olhem, ali na calçada esta a corda para pularem depois; também as pedrinhas catadas na rua, para o jogo de capão. Agora cantam:

Se esta rua
Se esta rua fosse minha
Eu mandava, eu mandava
[ ladrilhar…

Brincadeiras nas ruas de uma Pinda ainda umas décadas mais antiga, a contar pelo ano de seu nascimento, a Pinda do início do século XX, nos remete o escritor, poeta, sonetista e trovador Balthazar de Godoy Moreira (1898/1969). Fomos buscar em uma série de artigos seus publicados neste jornal em 1963 suas recordações sobre o tema “Brinquedos Infantis”.
Balthazar conta que naquele tempo almoçavam e jantavam cedo. “O almoço, ali pelas dez horas e jantar das quatro às cinco. Sobrava então, até a noite, tempo para os passeios que fazia com meu pai, de preferência pelos bairros, ou para os brinquedos em frente de casa. Companheiros eram os meus primos Joca e Alexandre (Xandico) e alguns meninos da vizinhança”.
Nessas noites de saudáveis folguedos, o cronista conta também participavam das brincadeiras das meninas, lembrando-se que sua irmã Belinha fazia parte do grupo para os brinquedos de roda: “…ciranda cirandinha, chicote-queimado, bento-que-bento-o-frade etc.”
Os meninos, recorda em seus escritos, Balthazar, preferiam brincar de coisa mais estimulantes… “brincar de boi com o boi e o lengo, ou de bota, cada qual se esforçando para esmurrar mais o companheiro”.
Havia, e ele descreve saudoso de seu tempo de menino, brincadeiras mais interessantes… “Brincávamos também de pular ‘carniça’, em outras terras brincava-se de pular sela. Mas em Pinda era ‘carniça’ que pulávamos com as marcas: unha na mula, dois relou, três filipes salandreques e outras, numa sequência que já me lembro: pastelão, esporadas, onde caiu ficou, que relou, selou. Quando os puladores eram bons a sela gramava selando muito tempo. Mas os últimos da fila é que levavam desvantagem e sempre iam desclassificando-se”.
Um fato mencionado por Balthazar que nós, meninos mais antigos, nos lembramos muito bem, era que cada brinquedo tinha seus tempo. Em sua crônica, Balthazar recorda isso: “…os brinquedos, como até agora (este ‘agora’ refere-se aos anos sessentas), obedeciam a voga: havia o tempo dos piões, cada um dando a vida para arrancar a carne do pião do outro; os que caçavam o pião na unha do polegar; os piões roncadores, os que dormiam. Pião teba era aquele que, como os bons galos de briga, saiam da arena feridos mas vitoriosos. Fazíamos piões de brejauva que eram uma lindeza cantando. Dois vinténs era o preço de um pião, na quitanda.
“De repente, ninguém mais jogava piões. Apareciam os papagaios. Ia empiná-los – nós dizíamos soltar papagaios – naquele imenso terreno baldio existente entre as avenidas e atuais rua dos Expedicionários e Dez de Julho. Pelo menos me parecia imenso aquele tirirical – tristirirical – cortado pela vala de escoamento aberta em quase toda a extensão e pelos carreiros que os pés dos transeuntes iam assinalando. À noite ali, todas as bandas de sapos de Pinda parece que davam concerto de coaxos. Do sobrado do Barão de Taubaté ouvia-se a desbragada sinfonia ou antifonia”.
O sobrado do Barão de Taubaté que o autor se refere era o sobrado dos Marcondes, onde pernoitou D. Pedro I naquela histórica cavalgada a Santos que resultou na Proclamação da Independência. Sua demolição ocorreu em novembro de 1940, lembra o escritor Franciso Piorino Filho (Os Pindamonhangabenses da Guarda de Honra de D. Pedro, Scortecci- São Paulo, 1989).

Os folguedos de rua e os tipos populares
Retornando às memórias de Eloyna Salgado Ribeiro pela rua Marechal Deodoro do passado, outra particularidade do nosso folclore: os tipos pitorescos da cidade. Na obra já acima mencionada ela descreve:
Veem? Parecem anjinhos (referindo-se às meninas brincando). Mas nem sempre são assim, tão angelicais. Sabem o que fizeram dias destes? Estavam ensinando a recém-chegada russinha Salomé.
Diga ME…SA, diga CA…DEI…RA. E Salomé repetia sílaba por sílaba, palavra por palavra. Foi quando no começo da rua apareceu o Batatinha, tipo folclórico que odiava o apelido. As meninas não tiveram dúvidas:
Salomé, diga BA…TA… TI…NHA! A russinha repetiu. Mais alto, bem mais alto, ordenaram as ‘professorinhas’, quando o homem mal-encarado vinha chegando perto.
BA…TA…TI…NHA, gritou Salomé, com toda a força de seus pulmões.As meninas, pernas pra que te quero,e a Russinha – assustada – ouviu todo o repertório de palavrões que o Batatinha sabia. Felizmente, Salomé nada entendeu.
A autora completa que felizmente a brincadeira havia sido com o Batatinha, porque se tivesse sido com um tal “Guatambu”, as consequências teriam sido piores.
João Martins de Almeida , em uma de suas crônicas (obra citada anteriormente), explica o receio quanto à reação de Guatambu: “Quando a molecada o chamava pelo apelido, arranjava logo uma palavra que rimasse com a última sílaba do apelido”.
Outros tipos são relembrados por João Martins. O Manuel “Coelho” ou “Rabo Vermelho”, que tirava as calças em plena via pública para provar que aquele apelido não era justo.
Chico Bento, que era vendedor de empadas de jacaré, que segundo João Martins, pegava a laço nas lagoas. Não gostava de ser chamado de Chico, dizia: “Chico é porco. Meu nome é Francisco Bento, seu criado, sim sinhô.”
Havia também o Mané Sordado (soldado). Citado pelo jornalista Aníbal Leite de Abreu (1917/1996) em artigo publicado na revista comemorativa ao cinqüentenário do Lar Irmã Teresinha, em 1995. Seu nome era Manoel Custódio da Silva. Havia sido expulso da Força Pública (Polícia Militar) e perambulava pela cidade sempre nervoso, irritado. Quando alguém assobiava, como se assobia para chamar cachorro, “se desfazia em impropérios, xingamentos e ameaças”. Morreu como interno do Lar Irmã Teresinha, entidade que o recolheu e lhe prestou assistência até seu desencarne.
É extensa a lista de tipos populares de Pindamonhangaba. Muitos outros poderiam ter sido citados. Eles sempre vão existir, principalmente nas cidades interioranas. Fazem parte do folclore, são inesquecíveis.
(O assunto folclore na Pinda antiga será concluído na próxima edição)