Proseando : AS IRMÃS PASSARINHAS Dedicado às minhas amigas Neila e Bete

Em outra dimensão, depois do rio que engole a estrada em períodos de nuvens choradeiras, existe uma gaiola de grande dimensão. Dentro dela estão guardadas passarinhas depenadas que experenciaram os lodaçais da vida.

Durante a noite, algumas piam de saudade dos filhos; outras, dos pais ou dos maridos. Também há aquelas de coração só um pouquinho empedrado, que tentam desesperançar a esperança.

Pertinho dali, antes do rio, moram duas sabiás. Quando souberam da existência da gaiola e do sofrimento dentro dela, resolveram confirmar a história que ouviram a mãe contar à avó. Saíram antes do entardecer, acelerando as asinhas na direção da grande gaiola. Em pouco tempo avistaram o aramado, se aproximaram e pousaram pertinho da grade. Viram as passarinhas caminhando cabisbaixas. Uma delas, ao notar a presença das duas, avisou a passarinhada que foi se aglomerar junto à grade.

Naquele primeiro encontro, as sabiás conheceram as amarguras das passarinhas. A maioria reclamou que a comida era ruim e escassa, que não tinha lazer, que o arrependimento doía demais, que a saudade enfiava as unhas no coração… Choraram.
Assim que a noite pendurou a primeira estrela, as irmãs foram embora, prometendo voltar.

Na manhã seguinte, levaram guloseimas e livros.
— Trouxemos alimento para o corpo e para o espírito.
Enquanto a passarinhada se alimentava, uma sabiá abriu a página de um livro e anunciou:
— Vou ler uma poesia de quatro versos. Uma trova. Uma trova filosófica.
Limpou a garganta e declamou:

Sábio é quem, mesmo que falhe
nos caminhos que envereda,
corrige cada detalhe
para evitar outra queda.

Em seguida, declamaram Bilac, Altair Fernandes, Manoel de Barros, Neila Cardoso, Cecília Meireles, Ernesto Tavares, Casimiro de Abreu e outros. Na prosa, leram Bete Guimarães, Machado de Assis, Eloyna Salgado Ribeiro e Fernando Sabino.
Os encontros se repetiram. As passarinhas foram se desentristecendo. As penas voltaram a reflorestar a pele desnuda. Em breve voltariam a voar novamente.

  • Maurício Cavalheiro ocupa a cadeira nº 30 da APL - Academia Pindamonhangabense de Letra