História : As residências de outrora e seus poéticos jardins
Balthazar de Godoy Moreira (1898/1969), escritor e sonetista pindamonhangabense, lembra em uma de suas saudosistas e saudosas crônicas publicadas no jornal Tribuna do Norte no início no ano de 1963, as aconchegantes residências existentes em nossa cidade no passado. Atente o leitor ao fato de que nos anos sessentas, que já longe vão, ele falava de uma época ainda anterior, recordava as primeiras décadas do século XX.
Descrevendo jardins floridos e cozinhas cheirando à fartura, falando das flores pelos cidadãos amorosamente cultivadas, assim relembrava…
“Flores simples que ninguém queria deixar de ter porque a variedade é que importava: cravos, cravinas, rosas, dálias, mal-me-queres, violetas, beijos, cravos de defunto. Suspiros erguiam as suas flores flamejantes bogaris abotoavam. E papoulas e gerâneos, camélias e jasminzinhos embalsamando o ar. Resedás, sempre-vivas… E folhagens de várias cores entremeando com tinhorões. Nada dessas plantas sofisticadas de hoje, de preço, ninguém sabe porque, como antúrio ou as seringueiras que se tornaram triviais também”.
Revela o poeta Balthazar “antigamente os jardins das casas eram separados do terreno vizinho por um muro de taipa, geralmente caiado de branco, derrubando escamas de caliça…” (encontramos no dicionário Informal que caliça é resto de construção, demolição; cacos de tijolos, telhas ou pedras utilizadas para preenchimento de pisos em construções). Na maioria das vezes, eram da cor da terra dos canteiros cobertos de telhas coloniais que ficavam escurecidas pelo “acúmulo dos anos, com manchas de musgos e tufos de fortuna – imaginem! – de folhas gordas”.
Explicava (e aqui temos o lado histórico), que esses muros que haviam sido feitos pelos escravos “alinhados e limpos nos tempos áureos, mas que ele os conhecera já envelhecidos”. A Balthazar, causava surpresa a sobrevivência daqueles muros ao longo dos anos. “Feitos de um material tão à toa, como teimavam em viver! Parece que se petrificavam, isso sim,” admirava.
Falava que os jardinzinhos, “organizados na desorganização de seus canteiros”, exerciam certo fascínio nas pessoas mais que os jardins de hoje (o hoje que se referia eram os anos sessentas) que são cultivados nas frentes das residências. Para Balthazar, os antigos jardins eram mais para o desfrute dos donos da casa do que dos transeuntes. Recorda que assim era o jardim de sua saudosa moradia e também os de seus parentes e amigos.
E as lembranças lhe fluíam poéticas e saudosas descambando para outras características das casas antigas… “Uma varanda em telha vã, com parapeito, ia quase sempre da sala para a cozinha, outra das peças das residências antigas que mudou muito. Que horror se as donas de casa de hoje tivessem se virar num daqueles cavernosos cômodos! Mas quantas saudades terão deixados nos que as conheceram, aquelas vastas cozinhas com o piso de terra socada ou de tijolos que se orvalhava para varrer; o fogão de beirada larga para conter a lenha; o respeitável pilar da chaminé, subindo, subindo, até o teto com os caibros de boa madeira e as ripas de jissara envernizadas de picumã; a mesa pesadona onde pousavam as gamelas de cedro; o armário de canto com panelões de ferro; o pilão de onde saiam o café socado e a paçoca; às vezes, até um forno de abóboda“.
Ainda na cozinha, destacava: “…louça comum era aquela azul, com desenhos chineses, sem perspectivas; uma pontezinha curva, uns salgueiros, pagode… Hoje tudo isso é peça preciosa de museu”.
Sobre o mobiliário, destacava que eram mais duráveis graças à qualidade e a solidez da madeira com a qual eram confeccionados. E aqui lembra uma particularidade interessante relacionada a uma mesa que havia em sua casa: uma mesa elástica diferente das atuais “…desdobrava para os lados, no sentido do comprimento, ficando então, apenas mais larga, demonstrando que o problema não era permitir mais convivas à mesa porém mais pratos de comida, mais fartura.”
Um móvel com denominação francesa, “étagère” (espécie de estante, prateleira), é relembrado por Balthazar como peça que era comum em todas as salas de antigamente. Sobre esse mobiliário, comenta que em geral era feito de jacarandá e alguns tinham entalhes. “Na parte de baixo eram um armário fechado, com tampo de mármore. Em cima duas prateleiras estreitas, às vezes, arredondadas, os étages, onde se exibiam aquelas fruteiras de louça ou metal branco, em andares, e as bomboniéres”.
Quanta saudade nos fazia sentir através de sua ‘pena de ouro’, de seu tesouro de escritos o inesquecível professor Balthazar…