Proseando : BODAS DE DI-AMANTE
Naquele dia estavam fazendo sessenta anos de casados. Quem os conhecia jurava que jamais haviam se desentendido. Ela gostava de radionovelas, das missas dominicais na Igreja Matriz e do aconchego da cadeira de balanço, onde criava belíssimas peças de crochê. Ele adorava passear de bicicleta. Todo o sábado pedalava até a feira com duas sacolas penduradas no guidão. Em casa, se enfiava na rede, enchia os olhos com a belezura do pomar, cochilava, dormia.
Certo sábado, como de costume, beijou a esposa, colocou as sacolas na bicicleta e foi até a feira. Não demorou.
– Que rapidez, Aristeu? Comprou tudinho?
Ele entrou no quarto e abriu o guarda-roupa onde escondia o cofre. De lá, respondeu:
– Que nada, minha Cestinha de Ouro do Basquete. Levei pouco dinheiro.
Encheu o bolso e saiu novamente.
Não costumava demorar-se. Mas, naquele sábado, o atraso foi inevitável. Preocupada, ela saía até o portão, espiava a rua, entrava, bebia água com açúcar para acalmar os nervos e voltava até o portão. A vizinha que retornava da feira, se aproximou.
– Comadre, que desassossego é esse? Só que eu contei você já entrou e saiu oito vezes de casa. O que está acontecendo?
Contou que o marido demorava a voltar e que estava preocupada. A vizinha, com comichões na língua, não se conteve:
– Bobagem, comadre. Daqui a pouco ele volta. Assim que parar de papear com aquela linda mocinha. – Tapou a boca com as mãos, simulando arrependimento –Ai, meu Deus! Falei demais.
Se a intenção era colocar uma pulguinha atrás da orelha da comadre, conseguiu. Embora a fidelidade do marido não possuísse nenhuma manchinha, era bom ir espiar.
Com passos de general caminhou até a feira. Espiou pra cá, espiou pra lá, e nada do marido. O moleque, filho da fofoqueira do bairro, se aproximou e dedurou:
– Dona, dona. Quem a senhora tá procurando tá perto da barraca de banana.
Ela franziu o cenho e marchou. Ao se aproximar, viu-o segurando vaso de orquídeas diante da moça loira. Pela primeira vez na vida, o ciúme entrou em erupção. As pequeninas mãos enfurecidas destruíram a flor e jogaram o vaso no chão.
– Sem-vergonha. Eu, lá em casa, preparando o seu feijão com courinho, preocupada com o seu atraso, e você aqui dando orquídeas pra essa sirigaita.
Com a paciência do tamanho de um bonde, ele enfrentou a resistência dela e a abraçou.
– Minha Cestinha de Ouro do Basquete, não é nada disso. Vou explicar. Sabe por que voltei pra pegar mais dinheiro? Para comprar essa orquídea. E sabe pra quem? Pra você. Essa moça vende flores. Demorei porque estava negociando o valor da orquídea.