Brincadeiras, brinquedos e folguedos da Pinda antiga

Férias escolares de julho! Quantas lembranças da infância e dos folguedos daquela época… Vamos embarcar nas lembranças do escritor e poeta pindamonhangabense, o professor Balthazar de Godoy Moreira (1898/1969) que, na série de crônicas escritas por ele neste jornal em 1963, também foi buscar reminiscências dos seus tempos de criança…
Denominando como tema ‘Brinquedos Infantis’, Balthazar aborda esse assunto na edição de 26/5/1963 da Tribuna. Repare o leitor que suas lembranças foram poeticamente concretizadas em belas crônicas na década de sessenta, quando fala de uma infância vivida numa Pinda ainda mais antiga, a “Princesa do Norte” no limiar de 1900…
Era um tempo em que se almoçava e jantava cedo… “O almoço, ali pelas dez horas e jantar das quatro às cinco. Sobrava então, até a noite, tempo para os passeios que fazia com meu pai, de preferência pelos bairros, ou para os brinquedos em frente de casa. Companheiros eram os meus primos Joca e Alexandre (Xandico) e alguns meninos da vizinhança”.
Nessas noites de saudáveis folguedos, o cronista conta, também participavam das brincadeiras das meninas, lembrando-se que sua irmã Belinha fazia parte do grupo para os brinquedos de roda: “…ciranda cirandinha, chicote-queimado, bento-que-bento-o-frade etc.”
Os meninos, recorda em seus escritos, preferiam brincar de coisa mais estimulantes… “brincar de boi com o boi e o lengo, ou de bota, cada qual esforçando-se para esmurrar mais o companheiro”.
Havia, e ele descreve saudoso de seu tempo de moleque, brincadeiras mais interessantes… “Brincávamos também de pular ‘carniça’, em outras terras brincava-se de pular sela. Mas em Pinda era ‘carniça’ que pulávamos com as marcas: unha na mula, dois relou, três filipes salandreques e outras, numa sequência que já me lembro: pastelão, esporadas, onde caiu ficou, que relou, selou. Quando os puladores eram bons a sela gramava selando muito tempo. Mas os últimos da fila é que levavam desvantagem e sempre iam desclassificando-se”.
Um fator lembrado por Balthazar, que nós, os meninos mais velhos também recordamos, é que cada brinquedo tinha seu tempo. Não se brincava disso ou daquilo aleatoriamente. Havia a temporada de se praticar uma determinada atividade infantil, um brinquedo. E é justamente isso que Balthazar assim nos conta:
“…Os brinquedos, como até agora [este ‘agora’ refere-se aos anos sessentas], obedeciam a voga: havia o tempo dos piões, cada um dando a vida para arrancar a carne do pião do outro; os que caçavam o pião na unha do polegar; os piões roncadores, os que dormiam. Pião teba era aquele que, como os bons galos de briga, saiam da arena feridos mas vitoriosos. Fazíamos piões de brejauva que eram uma lindeza cantando. Dois vinténs era o preço de um pião, na quitanda.
De repente, ninguém mais jogava piões. Apareciam os papagaios. Ia empiná-los – nós dizíamos soltar papagaios – naquele imenso terreno baldio existente entre as avenidas e atuais rua dos Expedicionários e Dez de Julho. Pelo menos me parecia imenso aquele tirirical – tristirirical – cortado pela vala de escoamento aberta em quase toda a extensão e pelos carreiros que os pés dos transeuntes iam assinalando. À noite ali, todas as bandas de sapos de Pinda parece que davam concerto de coaxos. Do sobrado do Barão de Taubaté ouvia-se a desbragada sinfonia ou antifonia”.
O sobrado do Barão de Taubaté que o autor se refere era o sobrado dos Marcondes, onde pernoitou D. Pedro I naquela histórica cavalgada a Santos que resultou na Proclamação da Independência. Sua demolição ocorreu em novembro de 1940, lembra o escritor Franciso Piorino Filho (Os Pindamonhangabenses da Guarda de Honra de D. Pedro, Scortecci- São Paulo, 1989), para a construção, na época, da Loja Dois Irmãos. Atualmente, outro estabelecimento comercial funciona naquele local.
O Barão de Taubaté era Antonio Vieira de Oliveira Neves. Casado Com a filha de Monsenhor Inácio Marcondes de Oliveira Cabral, passou a residir em Pindamonhangaba onde se dedicou à lavoura do café. (Os Barões do Café – Titulares do Império no Vale do Paraíba Paulista, de José Luiz Pasin. Vale Livros, Aparecida – 2001).
A brincadeira seguinte, conta Balthazar: “A estagnação dos papagaios seguia-se a dos jogos de pinhões. Pinhão esticado, pinhão ganho. E havia os feiticeiros, pinhões grandes aos quais se prendiam um colarzinho de contas. As patinhas e os patacões.”
O tempo dos papagaios seria o das pipas atualmente, uma prática que leva em conta a ocasião em que os ventos são mais constantes, como agora. Com relação ao jogo de pinhões, o redator desta página de história confessa que, embora seja de uma infância já algo distante, está aí uma brincadeira que desconhece. Seria o caso de se informar com um menino – e para ser menino não importa a idade – que brincou desse brinquedo. No entanto, encontramos em Jogos Populares Infantis, de António Cabral –Editorial Notícias, Lisboa, 1998, (books.google.com/books), a seguinte definição para jogo de pinhões:
“Os jogadores estipulam o número de pinhões que vão jogar. Fazem uma cova no chão e, a uma distância de três ou quatro metros tentam metê-los ali, atirando-os, alternadamente, pelo ar. Ganha os pinhões dos adversários quem maior número de pinhões introduzir na cova.”
Feita a devida interrupção com finalidade explicativa, retornemos às deliciosas lembranças do sábio professor Balthazar, que nos conta o que vinha depois…
“Depois, os estilings. Em Pinda dizíamos setas, acertando várias vezes nos pássaros, mas comumente nos lampiões e nas vidraças.
O futebol não entrara ainda em voga, pois mesmo em São Paulo era novidade e era foot-ball, com uma série de nomes arrevesados. Batiam petecas feitas de palha de milho.
Ia-se também tomar banho nos ribeirões próximos ao Paraíba. O Paraíba era proibido, como rio perigoso que comia um, no mínimo, cada ano, antes de se desegurgitar e por isso mesmo mais tentador. Banhar nas suas águas temerárias requeria ousadia; peito de desobedecer aos pais cheios de cuidados. E sempre havia um mexeriqueiro que ameaçava:
– Vou contar pra seu pai!
O banho era pra lá da ponte no lugar onde o rio se curva e vem para o bosque. A empresa era perigosa com o perigo que vinha mais dos pais que propriamente do rio, mas a água era uma gostosura nas tardes quentes. Os mais afoitos, os tebas, como o meu primo Edemar, filho do dentista João Tomaz Monteiro que morava ali mesmo na ladeira, atravessava a corrente, iam e vinham, sumindo às vezes em mergulhos que deixavam os outros assustados. A proeza destacava-se na nossa admiração como líderes autênticos, embora em casa fossem os que mais sofriam as consequências da desobediência. E não eram eles que desencaminhavam os menores?”
O cronista conclui falando de brincadeiras que hoje – por motivos diversos – os meninos nas ruas não vemos mais brincar…
“Os folguedos da rua do Tijuco iam até a noitinha depois que o acendedor de lampiões acendia o da esquina, preso numa arandela de ferro à parede do Clube. Um bonito, típico lampião colonial, pelo qual os modernos dariam bom dinheiro.
Nas noites quentes, logo que a luz se acendia, um enxame de besouros pretos vinham esvoaçar em torno, como as partículas de um átomo em redor do núcleo. Uma de nossas brincadeiras era enfiar besouros pela gola dos companheiros.”
Rua do Tijuco era a denominação da atual rua Monteiro César, que começa na ‘Deputado Claro César’ e termina na praça Barão do Rio Branco (Largo São José). Quando o autor diz “…preso numa arandela de ferro à parede do Clube”, refere-se ao Clube Literário e Recreativo, que durante sua existência ocupou diferentes prédios em diferentes endereços, um deles na rua Monteiro César.
Complementamos as memórias de “um menino” sobre os folguedos da meninice da Pinda Antiga com as lembranças de “uma menina”, a professora Eloyna Salgado Ribeiro (1917/1999) no livro Nossas Ruas (Câmara Municipal, 1993), quando, nostálgica, retorna à rua Marechal Deodoro dos últimos anos da década de 1920…
“…É uma confusão divertida de sons que faz desta rua, talvez, a mais alegre da cidade. Aumenta esta alegria o brinquedo das meninas. Acabam de jogar amarelinha… agora brincam de roda…
Terezinha de Jesus/De uma queda foi ao chão/Acudiram três cavaleiros…”
Como eram doces aquelas infâncias…

  • “Fazíamos piões de brejauva que eram uma lindeza cantando. Dois vinténs era o preço de um pião, na quitanda...” Ilustração da Pindamonhangaba antiga (início do século XX, rua Bicudo Leme) com fotomontagem elaborada pelo diagramador Edson França Reis (Tribuna do Norte)