Proseando : COISA DE LOUCO
Recém-formado, Francisco adquiriu a casinhola cor de dor de barriga localizada a duas quadras da única igrejinha de Cafundó do Judas. Era a que dava para comprar. Se torrasse a pequenina economia não teria como sobreviver. Por isso, ele mesmo substituiu telhas quebradas, cobriu buracos e rachaduras das paredes e as coloriu. Durante o restauro, sua mente rememorava as palavras do pai: “Essa cidade deve ficar no fiofó do mundo”. Talvez ficasse. Mas ele não se importava. Queria trabalhar. Queria cuidar dos animais que, por ali, jorravam pelas ruas, portas e janelas.
O primeiro cliente entrou descabelado, aos berros:
— Meu bichinho morreu! Meu bichinho morreu, doutor!
Francisco conhecia a dor da perda. Os animais de estimação também eram membros da família.
— Sente-se. Vou lhe trazer um copo d’água. Já volto.
— Água? Não me fale em água, doutor. Eu quero que o senhor examine o meu bichinho.
— Mas ele não está morto?
— Acho que sim. Acho que não. Posso trazer ele pro senhor dar uma olhada?
O cliente saiu e voltou com uma caixa de sapato.
— Ele tá aí dentro, doutor.
Cuidadosamente, o veterinário levantou a tampa.
— Um lambarizinho?
— Morreu afogado, doutor. Estava boiando no aquário. Fiz respiração boca a boca, mas não adiantou. Me esqueci de fazer como sempre fiz. Me esqueci de deixar ele na janela secando.
O segundo cliente era uma mulher. Apareceu depois do almoço.
— Doutor, faz cinco anos que ganhei um cãozinho. Ele nunca latiu. Será que tem algum problema nas cordas nasais?
— Vocais. Antes de qualquer diagnóstico, preciso examiná-lo. Onde ele está?
— No carro. Vou buscar.
A mulher foi e voltou com o dálmata ao colo.
— É esse o cachorrinho que não late?
— É sim, doutor. Lindo ele, né?
— Senhora, esse cachorrinho não vai latir nunca.
Os olhos da mulher transbordaram lágrimas.
— Que porcaria de veterinário é o senhor? Um veterinariozinho que não examina e diz bobagem! Insensível! E como pode falar assim de supetão? Já pensou se meu coração fosse fraquinho?
Ela saiu praguejando quando ele disse:
— Cãozinho de pelúcia não late, senhora.
No fim da tarde, ao encerrar o expediente, recebeu a visita do prefeito. Enquanto conversavam, bateram à porta. Foi atender. Dois homens uniformizados.
— Boa tarde. Como o senhor chegou há poucos dias, talvez não saiba que existe um hospício na cidade. Nós trabalhamos nele. Anteontem, houve fuga. Estamos procurando internos fujões. Podemos entrar?
— Sim. Só irão encontrar o prefeito. Ele veio me dar boas-vindas.
O prefeito estava se espremendo num canto do consultório com uma cúpula na cabeça.
— Não tem nenhum prefeito aqui. Eu sou um abajur.