Proseando : CONVERSA DE ÚLTIMA HORA COM A CONSCIÊNCIA

Está preparado para a viagem, meu filho? Não? Sei que não. Ninguém está. Ninguém jamais esteve, por mais que dissesse estar. Todos se esquecem de que se trata de um processo inevitável e improrrogável.

Saiba, filho, que as pessoas podem ir para Londres, Nova Iorque, Paris, Roma, São Paulo… Podem ir para qualquer lugar do mundo. Podem ir à lua, Marte, Vênus; podem até mesmo desbravar galáxias. Podem fazer o roteiro que quiserem. Entretanto, todos são passageiros no mesmo trem, até a última estação.

Relaxe. Você está ofegante. Desagarre-se das bagagens. São desnecessárias. Tudo o que elas contêm é efêmero, igual bolhas de sabão, fumaças de cigarro, e pingos de chuva que caem no asfalto incandescente. Carregue apenas o que está em seu coração. Não se agite. Você ainda tem um tempinho. Vamos aproveitá-lo para alguns esclarecimentos.

Não é de hoje que a sociedade estabelece paradigmas, criando manadas incapazes de discernir o que é, ou não, substancial. E dentre todas as hipnoses, a mais nociva é a que supervaloriza o TER. Para a sociedade, o TER é sinônimo de sucesso.

Você não fugiu à regra. Você se descuidou da evolução espiritual. Esqueceu-se da empatia, da gratidão, da solidariedade. E o pior, endeusou o dinheiro quando descobriu a gruta diamantífera. Você não percebeu que, ao penetrar cada vez mais na mina, ultrapassava o limite de onde era impossível voltar.

Você se lembra do dia em que seu filho nasceu? Mais ou menos, não é? Você estava ocupado. Muito ocupado. Não podia deixar um minutinho a empresa para ir à maternidade. Você não sabe com que peso e medida ele nasceu!Esses números não tinham importância para você.

Quantas vezes você trocou a fralda dele? Quantas vezes deu banho nele? Quantas vezes tentouabrandar as cólicas terríveisque ele tinha nas madrugadas? Quantas? Nenhuma!Era obrigação de sua mulher, não era isso que você dizia? Você trabalhava, trabalhava, trabalhava… Precisava dormir para, no outro dia, colher mais diamantes.

Você se lembra de quando ele engatinhou pela primeira vez? Quando ensaiou a primeira palavra? Quando nasceu o primeiro dentinho? Quando deu o primeiro passo? Não, você não se lembra de nada. Lembra-se de quando ele começou a fumar? A beber? A usar entorpecentes? Quantas vezes ele quis conversar com você e você não lhe deu ouvidos? Você sabe quem é seu filho?

Não, você não sabe. Você não participou da vida dele e ele se perdeu.

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