Nossa Terra Nossa Gente : DE TAQUAREIRO A SANFONEIRO, A HISTÓRIA DE JAIR SANTOS

Quem passa com pressa pela Estrada Jesus Antônio de Miranda é capaz de não notar o comércio de peneiras e cestas na altura do número 2.420. Os artefatos são fabricados por Jair Santos, 73 anos, um mestre do artesanato com taquara, que tive a honra de conhecer.
Eu o avistei sentado na varanda de sua casa, talhando uma tira de bambu, com a lâmina de uma faca reluzente ao sol feito lampejo de prata. Rodeado por balaios de vários tamanhos, o homem estava trançando um samburá. Estacionei o carro interessada num cachepô para uma planta há muito estimada!
Seu Jair mostrou-me balaios de diferentes modelos e tamanhos, além de outros artigos que manufatura: ninhos de galinha, peneira de escolher feijão, peneirão de caçar peixe ou de colher café, entre outros. Ao reparar no capricho da trama do bambu em cada objeto, vi as mãos calejadas daquele homem septuagenário e fiquei a imaginar que, se não fosse o brilho prateado de seu instrumento de trabalho, jamais o teria conhecido ou saberia do seu ofício de taquareiro.
Acertada minha compra, garramu a prosiá! Seu Jair me contou que foi criado no sertão da Buraqueira, do Pinga e do Rola. De tanto andar descalço no espinhadeiro e no sapezeiro, o pé dele era grosso feito couro de jacaré! O primeiro sapato ele só foi calçar aos 18 anos! Escola? Nem pensar! “Minha escola e minha caneta foi o cabo de enxada!” E, dentro do resplendor prateado do seu olhar de menino da roça, vislumbrei a sua história….
Ele trabalhou por dez anos na roça junto do padrasto e dos irmãos. Tomás Ferreira Neves, seu padrasto, era exímio carpinteiro e o administrador da Fazenda São Miguel: “um homem muito querido e respeitado por todos!”. Naquelas lonjuras sem assistência médica, Seu Tomás fazia benzimentos e receitava homeopatia e ervas medicinais a quem o procurasse. “Ele curou muita criança na Cruz Grande”, recorda-se, com orgulho, o filho que o tinha como verdadeiro pai. Ele também me contou que sua mãe, Rita dos Santos, era uma mulher “bonita como uma rosa”. A rara beleza da menina levou os pais dela a chamarem de “Rosinha”. De tanto ser chamada pelo apelido, “Rosa” ficou! O mais curioso: até na certidão de nascimento do Seu Jair, o nome de sua mãe consta como “Rosa dos Santos”!
Depois de homem feito, casado e com os seis filhos, Seu Jair veio morar na Cruz Pequena. Mais próximo da cidade, cursou o MOBRAL. Em posse da carteira de habilitação, conseguiu uma vaga como operador de máquina pesada e terraplanagem no DSM da Prefeitura de Pindamonhangaba, tendo exercido a profissão até aposentar-se.
O ofício de balaieiro com taquara de bambu aprendeu há uns 20 anos, com o Mestre Valdomiro, o primeiro taquareiro da Cruz Pequena. A matéria-prima de seu ofício é abundante: tem em todo lugar! Os instrumentos de trabalho ele já possuía: facão para o corte do bambu, faca para limpar as taquaras, lima para amolar. O protetor de couro para ser colocado sobre a roupa para evitar acidentes, herdou do Seu Valdomiro.
A venda dos artefatos complementa a renda mensal, além de manter-lhe as mãos e a cabeça ocupadas. Nas horas vagas, Seu Jair é sanfoneiro! Desde sua juventude, ele toca acordeão e é apaixonado por um forrozinho da roça e por dançar!
Pediu-me licença, entrou em sua casa e voltou abraçado com sua sanfona. Pedi que ele tocasse a sua música preferida e, mais do que depressa, ele entoou Berrante de Ouro, de Liu e Léu: “Vê, ali está o meu berrante no mourão do ipê/ Vou cuidar melhor/ porque foi ele quem me deu você”. Na sequência, tocou Barco de Papel, do Trio Parada Dura: “…me vi perdido pelo mar da vida/E enfrentando a onda cruel/Jamais iremos alcançar o porto/Porque o nosso barco é de papel”…
A alegria daquele taquareiro, que, nas horas vagas, é também sanfoneiro, iluminou meu dia, minha vida, a esperança de um amanhã sem pandemia só para que Seu Jair possa dedilhar sua sanfona nos forrozinhos da roça e muito alegrar nossa terra, nossa gente!
Antes de lhe agradecer por sua generosidade, perguntei-lhe se poderia tirar um retrato e contar a história dele no jornal. Como todo bom sertanejo, perguntou-me se teria de pagar. Disse-lhe que não e que eu precisava divulgar o artesanato de taquara – próprio da nossa cultura caipira e que, infelizmente, está desaparecendo – para outras pessoas. Seu consentimento veio embrulhado num sorriso que luzia mais do que ouro!
Com esse tesouro incalculável guardado no coração, nos despedimos. Ele me prometeu trançar um cestinho de ovos para eu guardar de lembrança! Eu agradeci-lhe pelo mimo e, em retribuição, prometi-lhe uma dúzia de ovos caipiras para ele presentear o menino de roça que escreveu com “o cabo da enxada” e muito talento a sua preciosa história de pai de família, funcionário público, sanfoneiro e taquareiro – “e dos bão”!

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