Proseando : DIA DAS MÃES

Dona Miguelina não existe mais. A mais antiga moradora do bairro foi levada pela ceifadora, aquela insensível que não negocia prazos.

A senhorinha de cabelos liláceos morou durante a maior parte da vida na modesta casa 85, na Rua dos Violinos. Alguém me disse — esqueci quem foi — que ela possuía dúzias de borboletas, dois periquitos sem gaiola, uma lagartixa que morava na cozinha, uma família de camundongos e muitas roseiras. Quem me disse, também disse que, antes de dormir, ela contava estorinhas aos camundongos.

A velhinha raramente punha a cara na rua. Geralmente, quando isso acontecia, era para vassourar a calçada e eliminar os cocôs dos cachorros da rua. Eu, que morava na casa em frente, muitas vezes me debrucei na janela, refém da curiosidade. Nas investigações eu a vi trocar palavras somente com o carteiro.

Semana passada, resolvi bisbilhotar mais de perto. Pulei a mureta que circundava a casa 85 e me esgueirei até a vidraça da sala de jantar. Espiei. Ela cantarolava e dizia à lagartixa:

— Daqui a pouco o meu filho querido estará aqui. Trate-o bem, viu!
Senti a saudade estraçalhar o meu peito quando me lembrei de que era domingo, dia das mães. Ai, que saudade imorredoura da minha, que foi morar no céu. Sob o domínio das lembranças, não o vi chegar.
— Procurando alguma coisa?
Era o carteiro. Estatuei-me por segundos. Depois, disse a ele:
— Pelo que sei carteiros não trabalham aos domingos. Principalmente, no dia das mães.
— Você tem razão. Não trabalham mesmo.
— O que você faz aqui?
Ele sorriu. Suspeitei:
— Não acredito. Não vá me dizer que você é o…
— Filho da Dona Miguelina? Não, não sou. Mas hoje, serei.
— Como assim?
— Eu explico. Dona Miguelina não teve filhos. Mas acha que teve. Sei disso porque um médico amigo meu, que cuida dela, me contou. Ela não tem ninguém.
— Coitadinha.
— Sabe, foi muito difícil pra mim. Toda vez que eu aparecia ela queria saber se havia alguma carta do filho. Isso me arrebentava. Então, tive a ideia de escrever cartas como se fosse do filho dela. Pensei que ajudaria. Piorou. A vontade de encontrar o filho se multiplicou. Fiquei com medo de ela adoecer. Assim, não tive escolha. Aqui estou eu para ser o filho dela.
Emocionado, abracei o carteiro e, com lágrimas nos olhos, convidei:
— Vamos entrar, maninho? Não devemos deixar mamãe nos esperando.
Foi o primeiro e último dia das mães da Dona Miguelina.

  • Maurício Cavalheiro ocupa a cadeira nº 30 da APL - Academia Pindamonhangabense de Letra