Lembranças Literárias : Do baile ao sonho
Palavras grandes, luzes, sons de piano
e vertigens de clássicos violinos!…
Esvoaçam risos de mulher, divinos,
nesse ambiente – meu gozo e meu tirano
De uma valsa me deste a eterna graça…
Eras tão leve, assim toda de gaze,
tão leve eu era que pensaram quase
sermos um par de florida fumaça…
Depois, ao fim de fatigados trenos
que vão morrendo até que enfim descansam,
dançando fomos a sonhar serenos,
como entre nuvens outras nuvens dançam…
E lá quedamos por detrás das rendas
que finas mãos orientais fizeram,
como alvos pombos que de longe vieram
pousando exangues nos pombais das lendas…
Três horas! Era tarde já! Portanto,
abandonamos, num cansaço…
esse recanto onde estivemos pouco,
esse recanto onde vivemos tanto!…
Quedei-me, em casa, pensativo, exangue,
adormecendo mole de cansaço…
E ao sonhar, (pois sonhei!…) este meu braço
novamente enlaçou teu corpo langue…
Sonhei-me exausto, novamente, vi-me
no meio de mulheres… e sonhei-te
de homens rodeada, pálida de leite,
como o sorriso dum luar sublime
Sonhei depois que te esperava à rua…
Não vinhas nunca! – Ó sonhos meus convosco,
Esse bico de gás chamado lua
Sonhava no abajur de vidro fosco…
E lá dançavas por meu duro açoite!
Morria a lua… Eu te esperava fora…
Branquejava-te, à sombra nívea aurora
e me nublava, ao sol escura noite!
Mas de tanto sonhar saciado, parto,
acordei como acorda manso monge:
a boa luz do sol entrando o quarto
e aquela noite má fugindo ao longe…
Joviano Homem de Mello, Tribuna do Norte, 5/3/1921