Proseando : ENTRANDO DE SOLAENTRANDO DE SOLA

Pai, mãe e filha estavam reunidos. Ele, nervosíssimo, recalculava os gastos pela centésima vez. A mãe pensava numa maneira de evitar a erupção. A filha se mantinha inabalável. De repente, o estrondo:
— Chega! Desse jeito iremos à falência!
A filha, após se recompor do susto, se adoçurou.
— Que exagero, paizinho querido do meu coração…
— Exagero? Não faz um mês que você comprou sapatos, graças a sua mãe que lhe deu o meu cartão. E, agora, com a maior cara de pau está pedindo outros! Eu queria saber o que você faz para gastar tanta sola! No meu tempo, não tínhamos esse luxo. Andávamos descalços e éramos felizes.
— Ah, paiê. Isso foi no tempo que o senhor morava na roça com aquela caipirada. Agora a gente vive na cidade. Estamos noutro nível.
— Caipirada? Esqueceu que aquela caipirada é a minha família e a sua também? Exijo respeito!
A esposa tentou apaziguar.
— Ela não falou por mal, benzinho.
— Pare de passar a mão na cabeça dessa menina. Você a educou sem rédeas e, destrutivamente, realizou todos os caprichos dela. Viu no que deu? E não foi por falta de aviso. Pensa que eu não sei que você a tirava do castigo assim que eu saía pra trabalhar?
A esposa, desconstruída pelas verdades, umidificou os olhos. Ele continuou indomável.
— Você tem noção de quanto custa um par de Jimmy Choo, Aquazzura e René Cãovilla?
A filha debochou:
— Não é Cãovilla, pai. É Caovilla. Não tem til.
A correção o deixou mais furibundo.
— Me respeite, pirralha.
Depois de breve silêncio, murmurou:
— Eu já sei o que vou fazer. Você vai ver o que é bom pra tosse.
Ela destilou sarcasmo:
— Não precisa, paizinho. Não estou tossindo. Como o senhor pode ver, estou muito bem de saúde.
E saiu rumo ao quarto. O pai cambaleou e foi amparado pela esposa.
— Você tem que controlar os nervos, meu bem. Você sabe que sua saúde é precária. Não pode ficar irritado por uma bobagenzinha dessas.
— Bobagenzinha? Bobagenzinha? Você diz isso porque não é você quem paga as contas. E nem quero que pague. Mas, pelo menos, pode me ajudar a controlar essa perdulária.
Ele sabia que a esposa não tinha autoridade nenhuma sobre a filha. Sabia que era preciso tomar uma decisão drástica. E foi o que fez.
— Arrumem as malas. Vamos viajar.
A filha acendeu os olhos.
— Para Paris, paizinho?
— Melhor. Muito melhor. Partiremos agora mesmo para o sítio.
No outro dia, antes do primeiro fio de sol, a família de centopeia novamente se estabelecia na zona rural.

  • Maurício Cavalheiro ocupa a cadeira nº 30 da APL - Academia Pindamonhangabense de Letra