Ex-aluno de escola pública passa em Medicina em duas universidades federais

Morador do Araretama, Carlos Gilberto sempre  frequentou escolas públicas e estudava 14 horas por dia para realizar seu sonho.

Aiandra Alves Mariano
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Carlos Gilberto Nunes, de 19 anos e ex-aluno de escolas públicas em Pindamonhangaba, foi aprovado em duas universidades para cursar Medicina após submeter a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
Ele passou na UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais e na UNIFESP – Universidade Federal do Estado de São Paulo. O bom resultado é fruto da rotina de até 14 horas por dia de estudo, dedicação e superação.
Noites sem dormir, falta de dinheiro e os pais com muitos problemas de saúde foram alguns dos obstáculos que o jovem, que mora no bairro Araretama, teve que superar antes de ser aprovado em Medicina.
Carlos conta que quando concluiu o Ensino Médio, ganhou uma bolsa de estudos para fazer um curso preparatório para o vestibular. “Esse curso que eu ganhei me ajudou muito, mas eu chegava em casa e continuava estudando, porque sabia que o desafio era imenso”, relembra ele.
O futuro médico conta que a profissão não é um sonho de infância. “Desde criança, eu sonhava em fazer alguma coisa que ajudasse as pessoas ao meu redor e que fizesse diferença. Eu sempre quis transformar o mundo, mas não sabia como”, explica. O jovem já cogitou ser militar, advogado, engenheiro e até presidente do Brasil, mas na adolescência ainda não estava convicto em relação ao curso de graduação.

Doença
e esperança
Foi uma tragédia familiar que direcionou o sonho do jovem estudante. Seu pai, Carlos Humberto foi diagnosticado com câncer e começou o tratamento. “Foi acompanhando o meu pai e sua luta, vendo o empenho dos médicos e as dificuldades que essa doença causa, que eu decidi que seria médico”.
Dois anos após o diagnóstico do pai, a mãe de Carlos, dona Marlene, também foi acometida da mesma doença. “Ver meus pais sofrendo foi muito difícil, porém isso só reforçou meu anseio de fazer Medicina e me especializar em Oncologia”, garante.
Apoio incondicional
No início de 2017, Carlos foi aprovado para Engenharia e Direito em universidades públicas e cogitou cursar, mas foi convencido pelo pai a continuar insistindo no seu sonho. “Meu pai falou: ‘Medicina é difícil, mas se é o que você quer, é por isso que você deve lutar’. Foi o que me deu força para continuar”, destaca o jovem.
Contando com o apoio integral dos pais, que mesmo em dificuldades financeiras, não o deixavam trabalhar, Carlos continuou dedicando todo seu tempo aos estudos, até que, em maio de 2017, seu pai faleceu. “Foi o pior momento. Mas eu havia prometido a ele que seria aprovado para Medicina. Quando ele morreu, era difícil me concentrar nos estudos, eu não conseguia focar. Aí me lembrava da promessa que eu havia feito e de todo o esforço que meu pai fez pra me ajudar. Assim encontrava forças para estudar um pouco mais e seguir em frente”.
Dessa forma, no fim do ano, Carlos prestou a prova do Enem. Assim que saíram as notas, ele se inscreveu no Sisu e conseguiu as duas vagas no tão sonhado curso de Medicina.
Sonho e realidade
Para Carlos, a alegria da aprovação se mistura com a tristeza por ser uma exceção. “Fico triste quando percebo o espanto das pessoas por um estudante vindo de escola pública ter sido aprovado numa boa universidade. Isso deveria ser comum, se a Educação no Brasil fosse de qualidade para todos, independente da classe social”, lamenta.
Por outro lado, ele entende que a vitória é só o primeiro passo de uma jornada árdua. “Sei que ainda terei muitos obstáculos a vencer e estou disposto a lutar para superar todos, com a mesma persistência e resiliência que sempre tive e aprendi com meus pais”.
Pesquisador
Tendo que fazer a escolha entre as duas universidades, Carlos está inclinado a estudar em São Paulo. Além de ficar mais perto de casa e da mãe, que faz tratamento de quimioterapia, Carlos destaca que a Unifesp investe muito em pesquisa. “Eu penso grande. Quero fazer Medicina e entrar na área de pesquisas em Oncologia. Tenho um foco que é buscar uma cura para o câncer. Não pude ajudar meu pai mas tenho fé que poderei, quem sabe, ajudar ainda minha mãe, e fazer diferença na vida de tantas outras pessoas que sofrem dessa doença terrível”, confidencia ele, que não esconde que gosta de sonhar alto.
“Acredito que todo o sonho é possível, se houver dedicação, paciência e esforço. Não importa se você mora na periferia, se estuda em escola pública, se não tem dinheiro ou apoio. Se você tem um sonho, deve acreditar e buscar caminhos. Muitas vezes, o caminho mais curto não será possível. Mas sempre haverá um caminho, ainda que mais longo e difícil”, ressalta o jovem.
Em março, Carlos deve começar as aulas no curso de Medicina.

  • O sorriso de quem se superou e quebrou paradigmas
  • Carlos chegava a estudar 14 horas por dia
  • Ao lado da mãe, ele conta que sempre teve apoio integral dos pais