Nossa Terra Nossa Gente : GATO DE GAIOLA
Fiquei surpresa ao ver meus vizinhos de sítio com tantos gatos de estimação de uma hora para outra! Contando com a gatinha da família, vi bem uns onze. Os novatos vieram ao jardim, miar “boas-vindas” e se apresentarem. Com o charme peculiar de todo felino, desfilavam com classe na ponta das patas e, um por um, foram se achegando na roda de conversa.
Os amigos Paulo e Inês contaram-me que eles haviam sido resgatados da casa de uma velha senhora “acumuladora de gatos” falecida recentemente e, os seus 67 gatos – isto mesmo, sessenta e sete! – haviam sido dados à adoção!
Chamou-me a atenção o carinho e o cuidado que meus vizinhos tinham pelos bichanos. Até um novo cômodo havia sido erguido para abrigar os novos moradores. Fui convidada a conhecer o espaço com quarto e banheiro especial para o banho dos felinos. As acomodações eram tantas que exigiram certa criatividade da exímia costureira: até as antigas malas de viagem foram transformadas em luxuosas caminhas acolchoadas. Tudo brilhava. Como os olhos e o amor daquele casal por aquelas criaturinhas.
Aqueles gatos tinham passado a vida inteira confinados entre quatro paredes e, agora, experimentavam o gosto de poder circular livremente pelo Sítio Santa Clara! Fiquei encantada com suas brincadeiras: uns rolavam na grama deliciando-se com o sol da manhã; outros brincavam de pega-pega e até de pique esconde; outros, ainda, subiam nos troncos das árvores para afiar as unhas. A energia daquela coletiva algazarra felina era contagiante!
Mas de todo o espetáculo nada me emocionou mais do que conhecer Dengoso! Ao contrário dos outros, ele estava dormindo numa caixinha de papelão dentro de um viveiro.
– Como assim, um gato no viveiro?
Foi então que a vizinha contou-me a triste história de Dengoso. Ele havia crescido numa gaiola de passarinho, pendurada num prego, no alto da parede. Quando foi resgatado, não sabia andar nem se socializar com os companheiros de confinamento. Por isso, o casal construíra o viveiro para abrigá-lo. Bem maior que a antiga gaiola e, propositalmente, há um metro do chão, sua porta permanecia aberta para que Dengoso pudesse ir e vir para onde desejasse.
Este era o grande problema: Dengoso não saía! Nos seus olhos tristes, os arames verticais da antiga morada moldaram o seu confinamento. A sua liberdade poderia estar do outro lado da delicada trama hexagonal do viveiro, entretanto, ele não a enxergava! Dengoso estava livre da gaiola mas não estava livre para o reino da liberdade. Por isso foi preciso ainda, dentro do viveiro, a caixinha de papelão para que, pouco a pouco, ele experimentasse o aconchego de outro espaço que lhe proporcionasse a falsa segurança da antiga prisão.
Esse gato na gaiola me ensinou uma lição sublime. Uma lição sobre liberdade. Ela pode estar a um passo de nossos pés. Nós só a enxergamos com os olhos da alma. Há confinamentos que nos roubam o sonho de ser livre! Contra este tipo de crime só há uma lei: o amor! E foi justamente nesta sentença que Dengoso me aprisionou. Que a sua história possa abrir os olhos de nossas almas para outros gatos de gaiola, para outros animais confinados na falta de respeito de seus donos, para outros seres humanos tão enjaulados em suas prisões que não mais enxergam os sonhos que só a liberdade é capaz de nos revelar.