História : Há um século Pinda fazia seu carnaval pós pandemia e pós guerra mundial
Há 102 anos, em março de 1919, Pindamonhangaba ia às ruas participar dos festejos de um carnaval que marcava o fim de dois trágicos acontecimentos: a 1ª Guerra Mundial e a Pandemia de Gripe Espanhola. Ocorrências de caráter universal que haviam ceifado muitas vidas naquelas primeiras décadas do século XX.
Nesse ano, estava à frente da administração municipal da “cidade princesa de Zaluar”, já em seu segundo mandato (1913/1919),o Dr. Claro César; na presidência da Câmara (1918/1919), o Dr. Alfredo Machado. O município contava com uma população de pouco mais de 20 mil habitantes.
Esse carnaval na Pinda pós pandemia e pós guerra mundial, o jornal Tribuna do Norte, edição de 9/3/1919, nos conta em crônica (na linguagem adjetivada da época), que republicamos na íntegra, mas procurando seguir, à medida do possível ao nosso conhecimento, o atual acordo ortográfico:
Carnaval
Com ares de um convalescente de gripe, um tanto sorumbático, triste mesmo, sábado último apareceu pela cidade, o carnaval.
E, aos olhares de todos, ele infundia dó, provocava comiseração e saudosas lembranças dos tempos idos, em que Momo, galhofeiro e mordaz, alegre e prazenteiro, amoroso e tratável, imperava com poderio e firmeza.
Verdadeiramente endiabrados, entretanto, correram os três últimos dias, apagando, assim a má impressão que a princípio causara.
Momo teve por parte de seus pândegos vassalos a mais retumbante adoração.
Pelas ruas, a pé, a cavalo e de carro, espanholas, portuguesas, ciganas, cowboys, apaches, numa policromia berrante, esfuziavam graça e perfume.
Os templos preferidos para a folia foram o cinema e o clube.
O Eden apresentava um aspecto impressionante: uma onda de bolchevistas parecia querer derrubar as instituições e implantar o ‘soviet’ de Momo.
– ‘Tá uma infernera’, dizia um caboclo de barbicha a mosqueteiro, primo irmão do Jeca Tatu, que viera do sítio ‘especiarmente’ para assistir ao carnaval.
E ao som de alegres músicas, ao soar de estridentes gaitas em todas as suas vastas dependências , foliões infatigáveis, porfiavam-se em renhidas batalhas de confete, serpentinas e o ultra chique perfume.
O ‘clou’ dos festejos porém, foi dado no clube, onde uma comissão composta dos incorrigíveis pândegos, Rinaldo Giudice, Homero Marcondes, Argeo Camargo e Renato Nogueira, ofereceu aos seus convidados três lindas e inesquecíveis noites de esplêndidos saraus.
Foram encerrados os festejos pelo Salgadinho, presidente do Clube que, sempre gentleman, convidou para lá tocar, a apreciada banda Euterpe, emprestando-lhe maior brilho.
E assim, irreverentemente, em plena madrugada de cinzas terminou o carnaval deste ano, deixando em todos os corações, as mais indeléveis recordações de três dias de Loucura, prazer e folia…”
Obs.: Acreditamos que o clube mencionado pelo articulista da Tribuna seja o Clube Literário e Recreativo, na época já com 39 anos de existência. O Literário e a Euterpe foram históricos participantes de grandes momentos (culturais, esportivos, de lazer, políticos etc.) de Pindamonhangaba.
Fim da pandemia
O declínio na epidemia da terrível gripe espanhola foi divulgado na edição de 1º/12/1918 da Tribuna, com a seguinte comparação: “a média de óbitos, que de 20 de outubro até 15 de novembro havia sido de seis mortos por dia, tinha caído para cinco mortos por dia tomando-se o mesmo dia 20 de outubro como ponto de partida até o dia 30 de novembro”.
A notícia do fim da epidemia veio na Tribuna do dia 8/12/1918 com uma nota onde o articulista dava graças à misericórdia de Deus, anunciava o fechamento do hospital de isolamento e o retorno do Dr. Claro Cesar à capital para suas atividades como deputado.
Na semana seguinte, edição de 15/12, a Tribuna confirmava que em acordo com o Dr. Navarro Andrade, o presidente da Câmara, Alfredo Machado autorizara o fechamento do hospital e providenciara para que suas dependências fossem desinfetadas.
Naquela edição, o jornal concluía sua cobertura aos acontecimentos relacionados à proliferação da gripe em Pinda salientando o grandioso trabalho que havia sido prestado pela administração municipal, Associação Cruz Vermelha, Sociedade São Vicente de Paulo, estudantes da Escola de Farmácia, 4º Corpo de Trem, delegacia e destacamento policial, Linha de Tiro 539 e a população, que estiveram unidos no mesmo combate.
Fim da 1ª Guerra Mundial
Sobre a guerra global centrada na Europa, iniciada em 28 de julho de 1914 e que durou até 11 de novembro de 1918, envolvendo as grandes potências de todo o mundo, organizadas em duas alianças opostas: os aliados e os Impérios Centrais, a Alemanha e a Áustria-Hungria, a Tribuna estampou o seu final em primeira página no dia 17 de novembro de 1918.
Dos longos e bem escritos artigos destacamos alguns parágrafos demonstradores do contentamento pelo fim da guerra:
“É no auge da alegria, da mais viva satisfação que registramos em nossas colunas a notícia da terminação da guerra.
O mundo inteiro exulta de prazer por este grande acontecimento, que veio terminar a formidável carnificina que quatro anos e meses nos vem infelicitando.
Graças a Deus os aliados alcançaram a esplêndida vitória nesta luta tremenda, que tantas desgraças causou às nações em guerra.
A Alemanha foi subjugada; o seu orgulho e a vaidade do homem mais nefasto, que até hoje não apareceu igual no mundo, pelo seu espírito tacanho e perverso , e pela sede que tinha de sugar a última gota de sangue da humanidade, rolaram por terra!”
Soldados do 4º Corpo de Trem do Exército, aquartelados em Pindamonhangaba, já aguardavam o chamado para o embarque ao cenário da guerra. Felizmente, isso não foi necessário.
A Tribuna cumprindo compromisso
Ainda desta edição que falava do fim da guerra, é oportuna a nota que revela que a história do jornal Tribuna do Norte sempre foi pautada na responsabilidade e no compromisso com o leitor, quando os deixa cientes que entre os vitimados pela epidemia de gripe, havia dois de seus funcionários:
“Foram vítimas da epidemia reinante dois tipógrafos das nossas oficinas e infelizmente ainda não restabeleceram. Com dificuldades publicamos hoje o presente número com duas páginas, apenas para não deixar de dar notícias e outras publicações que não podem ser adiadas.
Não podemos publicar artigos de nossos colaboradores por esse motivo, o que faremos no próximo número. Pedimos desculpas aos nossos assinantes por esta falta forçada e que não tivemos meio de remediá-la.”