Histórias de sobremesas

Uma das maiores tradições da família da minha avó materna é bater papo depois do almoço. Daqueles papos que esticam e, dependendo da quantidade de gente, já emendam com o café da tarde.

Em um desses almoços de domingo, enquanto saboreávamos um delicioso doce de abóbora feito pela minha mãe no tacho de cobre, jogando conversa fora sobre como é bom comer comida gostosa, falando dos doces que cada um mais gostava… me lembrei do famoso doce de mamão que minha avó fazia, com a ajuda do meu avô, que já é falecido, e ela contou que sem a ajuda dele ela não faz mais porque dá muito trabalho.

Do alto dos 94 anos dela e após ouvir o passo a passo complicadíssimo do doce, acho que Dona Irene tem sim todo o direito de não ter mais coragem de fazer nem esse nem o de batata doce, que ela contou que é um pouco mais fácil, mas que também é feito à parte e depois fica apurando na calda.

Foi então que minha avó se lembrou de quando comeu doce de batata doce pela primeira vez. Ela já começa a contar a história dando risada.

A jovem Dona Irene foi na casa da comadre, e a comadre tinha cachorro dentro de casa. Pode parecer uma história meio politicamente incorreta, mas faz todo o sentido se lembrarmos que isso não era muito comum naquela época, estamos falando de 60, 70 anos atrás, em que as pessoas tinham cachorro para guardar a casa e eles não passavam da porta. Não como hoje, que os pets fazem parte da família, são limpinhos e educados. Mas bem, na casa da comadre o cachorro entrava em casa. E minha avó ficou meio tensa com essa situação, mas não comentou.

Então a comadre serviu o doce de batata, que minha avó achou bem bonito e foi experimentar. Ela conta que o doce até que era gostoso, mas não sei se todo mundo conhece, o doce de batata doce é cheio de fiapo da batata, e dá a impressão aos desavisados, que é cabelo ou pelo misturado na comida. E minha avó sofreu. Ela comeu para ser educada, mas até hoje sofre de novo só de lembrar o sacrifício que foi comer aquele doce cheio de “pelo de cachorro”. O trauma só passou quando ela mesma fez o doce, na sua casa, com toda a higiene do mundo e o doce continuou igualzinho, cheio de fiapo. E sem cachorro.

Outra situação engraçada que minha avó já emendou contando foi sobre quando tinha o bar da estação. Estamos falando da Central do Brasil das décadas de 50 e 60, que era super movimentada de trens de passageiros. Minha avó lembra que pessoas importantes passavam por ali e que aquele era o point dos jovens depois da missa de domingo na Matriz. Ela lembra que na estação viu de perto artistas como Ângela Maria e o político Ademar de Barros. Todos de passagem São Paulo – Rio de Janeiro, ou ainda para Minas ou Campos do Jordão. E o bar da estação bombava.

Dona Irene conta que fazia para o bar uns sorvetes muito famosos, e que ela adorava inventar receitas. Ela contou que foi o Edgar Bueri que a ensinou a usar a máquina de sorvete e além dos sabores tradicionais, ela criava outros com tudo o que dava nas árvores e plantações da casa dela. Goiaba, milho verde e até uvaia. Contou do sorvete de banana, que ficava vermelhinho, e até lembrou da história do picolé de água.

Minha avó conta que quando parava o trem na estação era uma correria. Eles tinham contratado uns meninos que iam vender picolés nos vagões durante os minutos em que o trem ficava parado, então era bem corrido mesmo. E numa dessas eles acabaram se confundindo e desenformaram a água que minha avó tinha colocado para fazer gelo, usando algumas forminhas de picolé no cantinho do freezer, achando que eram picolés de limão. Só descobriram porque um dos passageiros comentou que o “docinho gelado não tem açúcar não”…, mas aí o trem já havia partido…

E com mais essa sessão de causos, nosso almoço de domingo terminou em meio a risadas e gostinho de quero mais. Mas agora, só na próxima semana!