Proseando : Intrometida

Na cidadezinha de uma rua só morava a septuagenária viúva com seu gatinho, numa casa minúscula de quarto, cozinha e banheiro. O dormitório era no cômodo cuja janela espiava a rua. A casa era muito antiga, sem muros, igual àquelas de calçada unida à parede.
Durante o dia, antes de o galo cantar, ela se sentava numa cadeira sobre a calçada, colocava no colo um novelo de lã e tricotava na companhia de seu gatinho. Entre uma carreira e outra, com olhos e ouvidos aguçados, observava o ir e vir dos moradores. Ela sabia tudo de todos e, às vezes, mais do que eles próprios sabiam.

Durante as noites, quando ouvia qualquer ruído na rua, bisbilhotava pelas venezianas. Foi assim que flagrou o filho da quitandeira oferecendo banana para a filha da costureira. Foi assim que viu a mulher do alfaiate ajeitando o vestido ao sair da casa do professor.
Todas as descobertas eram compartilhadas em bilhetinhos que enfiava debaixo da porta de cada morador. Era um procedimento que fazia na calada da noite, sem testemunhas.

Com o tempo, a visão foi enfraquecendo; mas, isso não a impedia de continuar de anteninha ligada.
Certa madrugada acordou com o barulho do furgão estacionando do outro lado da rua. Levantou-se e semicerrou as pálpebras entre frestas da janela. Viu apenas silhuetas de dois homens que conversavam. Aguçou os ouvidos e os ouviu dizer que dormiriam na cabine e, no dia seguinte, concluiriam a viagem. Ouviu, também, alguma coisa sobre tráfico de pessoas. Foi o que ela entendeu.
Como só ela sabia da presença daqueles que considerava traficantes, se sentiu na obrigação de conseguir ajuda. Ao se lembrar de que o único policial da cidade estava hospitalizado, pois havia dado um tiro no pé ao coçar o dedão com a arma, resolveu ligar para o prefeito. Assim que se inteirou do assunto, ele entrou em contato com a polícia federal. Em menos de duas horas viaturas chegaram e ocuparam a cidade; quero dizer, a rua. Apreensivos, o prefeito e os moradores ficaram espiando das janelas. Somente a velhinha, cheia de coragem, saiu de casa e apontou o furgão. O comandante, com a arma na mão, acordou os homens e perguntou:
— O que vocês estão transportando?
— Estão traficando crianças — Antecipou-se a velhinha.
A autoridade insistiu:
— São crianças?
— Essa velha está maluca — Esbravejou um deles — Podem abrir o furgão.
Abriram. Só encontraram plantas de diversas espécies.
O comandante guardou a arma e olhou para a velhinha, como se pedisse explicação.
— Juro que disseram que iriam ganhar um bom dinheiro vendendo todas as mudinhas. Eu ia lá saber que se referiam a plantas? Pensei que fossem menininhas deslinguadas.

  • Maurício Cavalheiro ocupa a cadeira nº 30 da APL - Academia Pindamonhangabense de Letra