Vanguarda Literária : JAMIL ALMANSUR HADDAD: POESIA E ERUDIÇÃO

“Você, para mim, respira Poesia! Com que entusiasmo declama sonetos e trovas, a bela Poesia perfumada em pequenos frascos!” Foi dessa maneira, nos idos da década de oitenta, que eu conheci, no auditório da Academia Paulista de Letras, numa solenidade, aquele senhor de cabelos brancos e de óculos de grau (“ fundo de garrafa”), que, de maneira simpática, fraterna e humilde, se dirigiu a mim. Ofertou- me livros e um poema datilografado e me recomendou que lesse com muita atenção. Falou- me o seu nome: JAMIL ALMANSUR HADDAD. No retorno a Pindamonhangaba foi que eu percebi que tinha passado boa parte da tarde com o famoso Professor – Doutor JAMIL HADDAD, descendente de libaneses, nascido na capital bandeirante em 1914, autor de livros de poesias, traduções, crítico literário, livre- docente em Literatura Brasileira pela USP, e médico formado pela Faculdade de Medicina da referida Universidade. Entre os seus livros de poesias que eu conheço, destaco: ODES ANACREONTES ( 1957), ORAÇÕES NEGRAS (1939), premiado pela Academia Brasileira de Letras, ROMANCE CUBANO (1960) e LUA DO REMORSO (1951). O professor JAMIL viveu como um ’Sacerdote da Medicina’, humilde e bom como os grandes, sem jamais ser atingido pelo vírus da vaidade que afeta tantos escritores, principalmente os medíocres, que, detendo alguns irrisórios prêmios, esses coitados se julgam superiores aos demais, como vemos frequentemente. Piedade para com eles!
Em 2017, em brilhante Tese de Doutorado da pesquisadora Professora – Doutora Cristina Stefano de Queirós, que recebeu o Prêmio Tese Destaque, em 1988, ano da morte do Dr. JAMIL , cujo título é “ O caixeiro viajante de poesia, ou um estrangeiro inventado: ensaio biográfico sobre o poeta líbano-brasileiro JAMIL ALMANSUR HADDAD (1914-1988), fez um belo trabalho de resgate desse excepcional e erudito escritor Patrício. No seu livro: A LUA DO REMORSO (1951) encontra- se o poema abaixo transcrito , considerado um dos mais lidos e comentados desse grande intelectual:

CÂNTICO
Nem viver nem morrer. O melhor é naufragar.
Amor, pensas que é apanho abajur e o leito.
Mas, não. É o céu é o mar. É o tu corpo côncavo de velas, singra pelo mar alto.
O barco tem asas para voar ao céu quando preciso.
Mas, não é preciso.
Amada,na dureza das minhas docas ancoraste irremediável .
Teu pescoço é farol.
Brilham mais alto as duas luzes de oitocentas velas,
Flutuante alabastro,
És redonda como a quilha e alta como um mastro.
E hoje há aviso aos navegantes:
no mar do Poeta
haverá um naufrágio em cada hora do dia.
Amada,pensas que é apenas a cópula . Mas, não.
Iremos para Taiti, Shangai, Cuba, Vladivostok,
Ceilão,e para o céu e para o inferno e para a vida é para a morte.
Compraremos apenas o bilhete de ida.
Quem volta de uma viagem para Vladivostok e para a morte?
Para Vladivostok , não. ,! Navio que eu amo.
Iremos colher as mandr’agoras nos crepúsculos de Manilha
e tomar ópio em Hong Kong, comer pêssegos em Oman e dormir com
meretrizes morenas em rendez-vous em Port Said.
Mostra os teus braços de abismo
e os seios, duas naves fendidas
e encalhadas e incendiadas
de um fogo vermelho na ponta,
mostra- me principalmente
o lago, o vasto lago do ventre,
onde há a ilha do umbigo
e o princípio tormentoso do sexo,
pois não quero viver sem morrer…
que o melhor e naufragar…”

  • Jamil Almansur Haddad (1914-1988)