Nossa Terra Nossa Gente : JOAQUIM RODRIGUES DOS SANTOS, SUAS MEMÓRIAS E SUA LUTA EM PROL DOS RECURSOS HÍDRICOS DO VALE DO PARAÍBA

A prevista escassez de água nos grandes centros urbanos e um possível colapso dos recursos hídricos torna-se cada dia mais iminentes e ameaçam a humanidade. Nem sempre foi assim. Há meio século, essa realidade era quase improvável e a própria ciência propagava que os recursos hídricos eram bens naturais renováveis e que jamais se esgotariam. Com o crescimento da população mundial, viu-se que essa premissa não se sustenta e que um dos maiores problemas humanitários será a produção de alimentos e a manutenção dos recursos hídricos disponíveis para o nosso consumo e o das próximas gerações.
Essa questão hídrica, desde o início da década de 1960, foi o grande mote profissional do engenheiro civil Joaquim Rodrigues dos Santos (1933 – 2020), paulista de nascimento e pindamonhangabense de coração. Radicado em nossa terra desde os primeiros anos de formado, atuou por mais de três décadas no DAEE – Departamento de Águas e Energia Elétrica e também na Universidade de Taubaté, tendo sido Professor Titular Fundador da UNITAU e um dos mentores na formação de arquitetos e engenheiros do Vale do Paraíba.
Em 2012, tive o prazer de ter sido a ele apresentada no dia do lançamento do livro “República Brasileira da Mantiqueira”, de autoria de Judith Ribeiro de Carvalho, irmã de sua esposa, Sylvia Helena. Na belíssima cerimônia realizada no Museu Histórico e Pedagógico de Pindamonhangaba, durante uma sessão solene da Academia Pindamonhangabense de Letras, Sr. Joaquim foi o responsável pela abertura musical, executando canções num piano elétrico. Fiquei encantada com a maestria artística com que ele nos brindava.
Sua apresentação estendeu-se durante toda a sessão de autógrafos e, durante o coquetel, ao parabenizá-lo, contou-me um pouco de sua trajetória profissional e do sonho de escrever suas memórias e suas lutas em prol dos recursos hídricos do Vale do Paraíba Paulista. Dispus-me a motivá-lo e fazê-lo crer no quanto de subsídios essa obra traria para a história do Vale do Paraíba, para as pesquisas hídricas das universidades e, de modo especial, para as políticas públicas brasileiras. Diante de sua confissão – “Nem sei por onde começar” -, disse-lhe eu: “Sei o caminho das pedras e posso ser uma guia-aprendiz de suas histórias”. Assim, marcamos o primeiro encontro para a manhã seguinte, e, de ouvidos bem atentos, por três horas inesquecíveis, escutei sua história, lutas, fracassos e êxitos profissionais.
Ao final, esboçamos um roteiro preliminar de trabalho para o livro e, em poucos dias, ele havia concluído o primeiro capítulo! O seu memorial de acontecimentos foi escrito e reescrito ininterruptamente por sete anos (2012 – 2019), quando finalmente nosso engenheiro literato teve certeza de que seu livro de memórias estava concluído. Durante esse processo, Sr. Joaquim lutou contra sérias limitações de visão e, ao final, contra um câncer.
As idas e vindas das revisões dos bonecos do seu livro mostrou-me o perfeccionismo do autor (cinco, ao todo). Cada vez que eu vinha da editora com nova versão revisada por ele, com lupa e muita disposição, ele checava linha por linha e, muitas vezes, escrevia novos parágrafos a serem inseridos nos seus antigos registros. O mesmo processo de perfeição se deu na escolha do mapa que compõe a capa, o tamanho e a cor das letras bem como o layout final – belíssimo!
Os primeiros100 exemplares da obra chegaram a suas mãos em fevereiro de 2020, e a sua tão sonhada manhã de lançamento no DAEE, com seus ex-colegas de trabalho, seus ex-alunos e membros do Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Paraíba do Sul, autoridades civis e militares, agendada para março de 2020,tornou-se inviável em função do decreto de lockdown para a contenção da pandemia do Covid19 que se alastrava mundo afora.
Infelizmente, o amigo engenheiro também não pôde esperar a data futura do lançamento do livro de suas memórias. Deus o convocou antes, certamente, precisava do bom filho à casa paterna para outras missões, de engenharia espiritual, como aquela confiada ao Sr. Joaquim à frente do Terço dos Homens, na Igreja dos Salesianos.
Ficamos nós, graças ao seu dedicado empenho, com o registro de suas memórias e de suas lutas profissionais e políticas para a disponibilidade de água às crescentes demandas por recursos hídricos de nossos núcleos urbanos. Por ora, aguardamos o fim dessa pandemia para que seu livro e todo seu entusiasmo em prol dos recursos hídricos do Vale do Paraíba possam conquistar outros discípulos e outros defensores de suas lutas e de sua bandeira.
Diz-nos Guimarães Rosa que o mundo do rio não é o mundo da ponte. Mas essa ponte que Joaquim Rodrigues dos Santos edificou nesta obra – “Minhas memórias: os recursos hídricos do Vale do Paraíba Paulista”- possibilitará ao leitor atravessar a cortina do tempo e dialogar com as lembranças deste engenheiro, professor universitário e pai de família (Camila, Suzana, Júnior, Laura, Alexandre, André e Fernando) que dedicou sua vida a construir um mundo mais humano e mais digno para o rio que gera vida ao nosso Vale do Paraíba e para as pessoas que conscientes deste potencial poderão edificar outras pontes para outros rios, outros vales, outros estados, outros países.

  • Sr. Joaquim, a esposa Sylvia Helena e o seu livro de memórias - Créditos da imagem: Divulgação