Lembranças Literárias : Livro da Vida

Abro o livro de toda a minha vida e leio.
Na página primeira encontro a juventude:
Eu era um sol no lar, na aurora da virtude,
e dúlcida manhã, na irradiação do enleio.
Vem outra fase. Dia. Eu, de esperanças cheio,
sorvo a taça do amor, que aos corações ilude,
e matando o ideal, num prosaísmo rude,
vou transmudando o afeto em simples devaneio…
Última folha. Ocaso. A velhice me atinge.
E, como o sol que tomba em declínio sangrento,
descerei para o chão da tumular esfinge!
E agora, sem amor nem sonho e mocidade,
soletro, no missal azul do firmamento,
o evangelho pagão do rito da saudade.

Folha do Norte
(jornal local extinto),
17/6/1928

  • foto internet.