Proseando : NEM TUDO É O QUE PARECE SER

Benedito falava sem pensar. Não tinha papas na língua. Opinava sobre tudo e sobre todos para quem quisesse ouvir. E quem não quisesse, também. Geralmente, estava errado; por isso, vivia arrecadando inimizades.

Era ele um homem de trinta e poucos anos. Não era bonito, nem feio. Não era pobre, tampouco rico. Era estafeta. Há dois meses Benedita aconteceu na vida dele, na agência onde trabalhava, procurando uma encomenda. Ela, com trinta e poucos anos, não era bonita, nem feia. Não era pobre, tampouco rica. Era manicure.

Benedito e Benedita se casaram na semana passada. Conheceu o pai da noiva no cartório; um senhor de pouco mais de oito décadas, escorado na mocinha de pouco mais de vinte. O noivo não se conteve:
— Acho tão lindo o amor avoengo. Tão linda essa cena de avô de braços dados com a netinha.
Benedita o beliscou e cochichou que aquela moça não era neta coisíssima nenhuma. A sardentinha era a namorada do pai. Sorte que o velho era um pouco surdo.
O tempo passou. Certa vez, estavam numa cafeteria quando entrou a loira. Era amiga de infância da Benedita. Abraçaram-se, efusivamente.
— Dito, essa é Tianinha. Tianinha, esse é o meu gato.
— Prazer em conhecê-la, Tianinha.
— O prazer é todo meu.
Imediatamente, esmiuçou a mulher da cabeça aos pés, e disse:
— A maternidade é o milagre mais belo que existe. Que Deus abençoe você e essa criança em seu ventre. É menina ou menino? Quando nasce? Pelo jeito, tá pertinho, né? Maio? Junho? Julho? Quando?
Benedita não sabia onde enfiar a cara. Tentou dizer alguma coisa, mas a amiga, através de piscadela, não a deixou. Em seguida, chegou mais perto de Benedito e respondeu:
— Você esqueceu?
— Esqueci? Esqueci do quê?
A mulher sorriu e piscou novamente para a amiga, sem que ele percebesse.
— Ah, Ditinho. Assim você me ofende. Você ainda não contou a sua esposinha que esta criança que estou esperando é filho… Seu?
— O quê? Tá louco? Eu nem conheço você!
— Você acredita nele, amiga? Esse cara de pau dava em cima de mim. E eu, boba, caí na dele. Ficamos algumas vezes e deu no que deu.
Benedito sentiu o mundo girar. Não se lembrava daquela mulher. Mas podia ter acontecido numa daquelas vezes em que bebeu demais, quando era solteiro e pulava de galho em galho. Pretextando ir ao banheiro, sumiu da cafeteria. Meia hora depois a esposa retorna a casa e o encontra ajoelhado, de mãos unidas, chorando feito criança.
— Me perdoa, amor. Me perdoa, por favor. Eu não me lembro de nada. Mas me perdoa.
Benedita não conseguiu segurar a gargalhada.
— Ela estava brincando. Ela não está grávida. Ela está como sempre esteve: barriguda.

  • Maurício Cavalheiro ocupa a cadeira nº 30 da APL - Academia Pindamonhangabense de Letra