Nossa Terra Nossa Gente : NO CORAÇÃO DA MANTIQUEIRA, O RECANTO DE ZÉ CAMILO E ELIZABETE

“Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam”, guiou-me o pensamento de José Saramago até a lembrança de meu último passeio ao recanto dos queridos amigos Zé Camilo e Elizabete, localizado às margens da Rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro, no Alto do Piracuama, bem no coração da Serra da Mantiqueira. Ao lado direito da porteira do sítio em que vivem há mais de trinta anos, um jacarandá subsiste às intempéries do tempo e, como uma sentinela, dia e noite, a frondosa árvore zela pela mata, pelos animais e pelo ribeirão que serpenteia pela propriedade.
A casa amarela de varandinha à porta da sala parece um abraço a receber quem chega à porteira: “Ô de casa, tem café?”. A trupe de cachorros comandada por John – Capitão, Barãozinho e Lola -, é a primeira a chegar, latindo e abanando o rabo aos visitantes. Seu Zé Camilo, geralmente, é quem vem dar as boas-vindas. Os olhos dele brilham de alegria. O aperto de mão e o abraço saudoso traduzem a sua afeição pelos parentes e amigos. “Vamos chegar!”
Seguindo o convite do anfitrião, adentramos a sala e a cozinha – na verdade, o espaço mais cobiçado da casa. Elizabete, a rainha desse santuário, recebe a todos com hospitaleira alegria e nos convida a sentar à mesa. O cheiro do bolo de fubá vindo do fogão a lenha anuncia a hora do café, coado em coador de pano como nos bons e velhos tempos de nossos avós; o queijo e a manteiga, os biscoitos de nata e o pão são quitutes que ela mesmo faz e tem imenso prazer em nos servir!
A prosa vai longe: da infância e da família numerosa em que nasceram (Zé Camilo vem de uma família de 18 irmãos e Elizabete, a primogênita de 13), ao baile em que se conheceram e ataram o namoro, a festa do casamento, o nascimento dos filhos Carlos José e Ricardo Estevão, a lida com o gado para a produção de leite e de queijo, a celebrada chegada dos netos Cecília e Eduardo – filhos de Gilce e Carlos e, por ora, a alegria da casa e o xodó dos avós!
Esse matrimônio de mais de cinquenta anos de José Estevão de Almeida e Elizabete Aparecida de Almeida, partilhado na lida do campo, na criação e na educação dos filhos, guarda em si um segredo que é de bom tom revelar: a partilha amorosa da vida e do trabalho, a casa de portas sempre abertas a acolher vizinhos, parentes e amigos e, por fim, a fé inabalável em São José e Nossa Senhora Aparecida.
Como em toda roça, a lida no Sítio São José principia cedo: quando o galo canta, a cama perde o encanto! É preciso alimentar as galinhas, ordenhar as vacas, tratar dos peixes no lago, aguar a horta, alimentar os cachorros e o gato, cortar cana e capim para o gado. A manhã voa. Após o almoço, o merecido descanso: um cochilinho de nada, embalado pelas notícias do telejornal ou pelas novelas da tarde. Seu Zé Camilo tem outras preferências: gosta de ouvir os programas da Rádio Princesa, como o do Zé da Boia e o do Mauro Júnior e, também, de assistir aos programas de música sertaneja raiz da TV Aparecida. Às seis horas da tarde, a lida do dia finda e, juntos, acompanham a Santa Missa de Aparecida e, depois, rezam o terço com o Padre Antônio Maria.
Depois dessa hora sagrada do dia, a lenha crepita no fogão e aquece os alimentos para o jantar. Os sonhos são partilhados entre eles como os pedaços do frango caipira, o angu, a couve, o arroz e o feijão. De todas as alegrias que eles me confidenciaram, o que mais me encanta é a da festa de aniversário do Zé Camilo. No dia 10 de novembro, não podem faltar o churrasco, o bolo, os doces e a sanfona! A sanfona e o sanfoneiro são o seu presente mais esperado! E, como membros de famílias numerosas, a casa e o terreiro ficam pequenos para acomodar os irmãos, os sobrinhos e os amigos, que, assim como eu, contam os dias para a chegada dessa data querida.
Infelizmente, em 2020, não teve festa. Zé Camilo e Elizabete têm consciência da importância do isolamento social imposto pela pandemia da Covid19 para protegerem suas vidas e as vidas de quem eles amam. As vindas semanais à cidade para as compras foram abolidas. Só mesmo as urgências médicas têm sido acatadas. Os dois filhos prestam-lhes a assistência necessária.
Nós, seus amigos, guardamos a saudade que sentimos deles “no lado esquerdo do peito” e contamos os dias para a chegada da vacina. Pois celebremos: nesse domingo, 17 de janeiro de 2021, a vacina do Butantã foi aprovada pela Anvisa e o estado de São Paulo iniciou a vacinação dos grupos prioritários. Nem vejo a hora de chegar a vez deles e a minha e, depois da segunda dose, ter a certeza de que posso revê-los, reatarmos o fio de nossas conversas, encantar-me com as brincadeiras de seus netos e, se Deus nos permitir, festejar com muita cantoria o próximo aniversário do Zé Camilo.
Enquanto aguardo a vacina, eu também permaneço em isolamento social num cantinho da Mantiqueira e, sem que o casal de amigos possa imaginar – confesso agora a eles e a você -, a paz que eles transmitem desfrutando a vida na roça tem sido minha fonte de inspiração para aprender a viver cada dia com alegria e gratidão a Deus.
Aos leitores de Nossa Terra, Nossa Gente, um apelo: cuidem-se e protejam quem vocês amam. Só assim preservaremos vidas tão preciosas como as dos amigos Zé Camilo e Elizabete, guardadas a sete chaves, no coração da Serra da Mantiqueira.

  • Créditos da imagem: Arquivo Pessoal