Proseando : NOTURNO DE CHOPIN

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O abrigo, protegido por muros gradeados, possuía meia dúzia de ruelas. Margeando-as, paredes de tom amarelo esmaecido formavam minúsculos caixotes com porta e janela. Ao lado de cada porta, havia um vaso de antúrios tentando disfarçar a melancolia do local.
Tive vontade de desistir quando ultrapassei o portão segurando mala contendo duas calças, três camisas, cuecas, meias, Quintana, Cecília, cadernos para meus ensaios poéticos e uma fotografia.
— Me acompanhe, por favor.
Meus passos se arrastaram até a última casinhola da ruela principal. Entrei no cubículo e coloquei a mala sobre a cama. O homem, que aparentava quase meia idade, me levou para conhecer os ambientes do local: o refeitório, a pracinha, a capela e o salão de eventos.
— Isso é tudo. O almoço é servido às onze horas. Não se atrase.
Voltei ao espaço que me cabia, onde ajeitei os meus pertences numa cômoda de quatro gavetas. Cobri a fotografia com beijos de saudade e me sentei na cama com caderno e caneta.
“Na penúltima morada, antes que chegue a hora da partida, eu peço a Deus para trazer de volta o amor da minha vida.”
Fechei o caderno para que as lágrimas não borrassem ainda mais os versos recém-nascidos. Estiquei meu corpo sobre a cama até estancar os riachos nos olhos e me levantei para caminhar.
Do outro lado da ruela, dois homens conversavam. O barrigudo fez sinal para que eu me aproximasse.
— Seja bem-vindo! Foram seus filhos que jogaram você aqui?
— Jogaram? Não, não. Estou aqui por vontade própria.
— Vontade própria! Um caso raro — constatou o outro — as pessoas que aqui vivem foram abandonadas pelos filhos.
Mudei de assunto. Gastei alguns minutos falando sobre futebol e voltei a caminhar. Na pracinha, de um redemoinho de mulheres uma me abordou:
— É verdade que você é poeta?
— Bobagem. Quem lhe disse isso?
— O Google me contou. Faz um versinho romântico pra mim?
— Me desculpe. Não faço versos há anos.
Educadamente me despedi. Eu poderia ter dito que meus versos de amor são dedicados somente à mulher que amo. Poderia, mas preferi continuar caminhando.
Entrei no salão de festas onde, ao piano, uma mulher executava o Noturno op. 9 nº 2 de Chopin. Fiquei à porta, de olhos fechados. Após a última nota corri ao jardim, roubei uma rosa e retornei para oferecê-la àquela pianista que, cabisbaixa, juntava as partituras. Toquei suavemente em seus ombros e, quando os nossos olhos se encontraram, dissemos com surpresa ao mesmo tempo: Meu amor?!
Eu a beijei e, abraçados, sob a paz celestial, fomos levados à última morada.