Nossa Terra Nossa Gente : O BIJU DE PINDAMONHANGABA: SEGREDO E TRADIÇÃO

É tarde de domingo. Da varanda de casa ouço o som do triângulo anunciando que o vendedor de biju está passando na minha rua. Desço os lances da escada em disparada pois Sr. Jorge tem pressa de atender outros fregueses em outros bairros da cidade.

Aceno com as mãos e ele para. Na garupa de sua bicicleta está o latão de biju repleto dessa delicada preciosidade.

Como sempre, Sr. Jorge é a gentileza em pessoa e, ao perceber meu interesse por sua arte culinária, confessa-me que tem tempo para um “dedo de prosa”.

Só de brincadeira, pergunto-lhe quais os ingredientes que compõem a massa e ele me diz, sem cerimônias: leite, trigo, açúcar, mel, cravo, canela da Índia leite condensado, achocolatado e essência de abacaxi.
– A receita?
– Ele ficou devendo. É segredo de família!

Há 70 anos seus pais Haroldo e Júlia Montovani Magalhães mudaram-se da cidade mineira de Carmo de Cachoeira para Pindamonhangaba. Seu pai conseguiu trabalho na lavoura da Fazenda Sapucaia e, graças ao seu empenho, conquistou uma vaga na Fábrica de Papel Cícero Prado. No “Coruputuba” trabalhou e sustentou a numerosa família (16 filhos) e, para isso, complementava a renda com a ajuda da esposa (costura e pastéis) e, também, com a venda de lenha, frangos e biju

Ele aprendeu a técnica de fazer biju com o Sr. Mota, proprietário de duas máquinas importadas. Quando o patrão mudou-se para Guaratinguetá, ofereceu uma delas ao humilde funcionário que empenhou-se em pagá-la à prestação com o pequeno lucro da venda de sua própria mercadoria. Graças a este ato de generosidade, Haroldo Magalhães tornou-se detentor da máquina e da receita de biju comercializada em nossa cidade.

Sr. Haroldo, mesmo depois de aposentado da fábrica, não abandonou a venda de biju. Trabalhou nesse ofício por 65 anos e, antes de falecer aos 97 anos, ensinou a técnica a dois de seus filhos – João e Jorge -, que têm mantido a freguesia do pai e conquistado novos fregueses pela qualidade do produto e, sobretudo, pelo atendimento primoroso.
João que há poucos dias deixou o ofício em decorrência de problemas de saúde, disse-me que quando a vida de seu pai estava por um fio, ele voltou pra casa para aprender a fazer biju e não deixar morrer a tradição da família. Jorge, ao contrário, aprendeu por necessidade. Numa época em que ficou desempregado, foi salvo pela milagrosa receita do biju do pai. É grato por isso até hoje!

A alma do negócio, confessaram-me os irmãos, é o triângulo! O som do singelo instrumento de percussão musical (ideia do pai) é um verdadeiro chamariz de fregueses.

Quem experimentou essa iguaria sabe que na delicadeza de um cone de biju há um sabor inesquecível. Delícia que desaparece na boca e impregna a nossa memória como o primeiro beijo do primeiro amor… Quem não provou ainda, um conselho: afine os ouvidos e preste atenção. Nas ruas de Pindamonhangaba, um simpático cidadão é o único detentor de um segredo de família que se tornou patrimônio imaterial de nossa terra e de nossa gente, graças ao trabalho de sete décadas de três Magalhães: Haroldo, Jorge e João!