História : O crime da ‘rua do Carregador’
Um assassinato ocorrido no final dos nos 20 popularizou a atual rua Coronel José Francisco como a ‘rua do Carregador’. Como sempre ocorre com as denominações que surgem naturalmente, por criação e criatividade do povo, assim passou a ser conhecida durante muito tempo a rua que começa na “General Júlio Salgado”, cruza a “Prudente de Moraes” e termina na “Dino Bueno”.
Nesse tempo a rua Coronel José Francisco era conhecida apenas como a travessa que ligava a “Júlio Salgado” (que se chamava rua do Três Andradas) e a “Prudente de Morais” (que já havia sido rua Alegre e também rua Conde D’Eu).
O crime movimentou a opinião pública da pacata Pindamonhangaba do início de 1929. Estiveram envolvidos dois trabalhadores da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil. O acontecimento é lembrado em artigos das professoras Olga Trigueirinho de Abreu (Tribuna do Norte, 1/11/1970) e Eloyna Salgado Ribeiro (Tribuna, 27/9/1970) tendo como temas, respectivamente, as ruas Coronel José Francisco e General Júlio Salgado. Crônicas estas depois reunidas no livro “Nossas Ruas” (Scortecci, São Paulo, 1993).
Com o título “Crime Bárbaro” a Tribuna, edição de 3/2/1929, dá a notícia do esclarecimento do crime pelo delegado Dr. Salles Pacheco e a prisão do acusado. Segundo o jornal, na noite do dia 27/1/1929, José Francisco da Cunha, o carregador nº 2 da Central, teria sido chamado para fazer um carreto e não teria mais retornado à sua residência. Quando já haviam se passado quatro dias a família do desaparecido dera queixa à polícia. As suspeitas recaíram então sobre João Mariano de Queirós, o carregador nº 1 da Central, pois este era tido como inimigo do carregador nº 2, embora atuassem no mesmo ofício e na mesma instituição.
Levado a interrogatório, João Queirós negou qualquer participação no crime, alegando que sua inimizade com tal pessoa não seria o bastante para concluírem ter sido ele o eliminador de José Francisco, cujo desaparecimento ele ignorava. Foi quando localizaram o corpo do desaparecido. Com ferimento profundo na cabeça, o cadáver fora encontrado numa vala no matagal que havia no espaço entre onde hoje fica a escola Rodrigo Romeiro e a rua General Júlio Salgado, aproximadamente nos fundos do Externato São José.
As suspeitas continuavam avolumando-se contra Queirós, o carregador nº 1, mas ele continuava negando e procurando provar que no dia que ocorrera o crime nem sequer saíra de casa. Comunicado do fato, o delegado Dr. Salles Pacheco, que se encontrava em São Paulo, retornou imediatamente e assumiu o inquérito.
Conforme noticiou a Tribuna, “no fim de poucos dias, o delegado conseguiu não só a confissão do indiciado como a reconstrução do crime em todos os seus detalhes”. Queirós teria contado que arquitetara o crime, ajustando-o com mais um comparsa, cujo nome até aquele momento não havia sido revelado. O crime teria se passado mais ou menos assim: “uma pessoa foi a casa do carregador n° 2 e o teria contratado para um carreto em casa incerta, isto entre 7 e 8 horas da noite daquele domingo, 27 de janeiro de 1929, conduzindo-o para o lugar combinado, largo do Chafariz. Lá, ao avistar a vítima, foi munido de uma trave de ferro, e ao aproximar-se da mesma, desferiu-lhe um golpe na cabeça, prostrando-o morto, tal a violência da pancada. Isto feito, ajudado pelo companheiro, arrastaram-no até o valo próximo, ali atirando-o”.
O delegado foi até felicitado pela “rapidez na resolução do caso”. Não se comenta o recurso “eficaz” utilizado no interrogatório, pois o carregador nº 1, segundo se confirmou tempos depois, seria mesmo inocente como afirmara no início de sua detenção. Revela a escritora Eloyna Salgado Ribeiro, em seu livro “A Vida nos Balcões da Pequena Pindamonhangaba” (Gráfica Ativa, Taubaté, 1997), que “anos depois, quando João Queirós já estava no final de sua pena, quase morrendo de tuberculose, o verdadeiro assassino do carregador 2 foi preso na cidade de Cruzeiro”.
Lugar
Assombrado
No artigo que escreveu sobre a rua General Júlio Salgado, Eloyna Ribeiro relembrou que o local do crime ficou assinalado por uma cruz onde alguns levavam flores e acendiam velas, outros evitavam de passar por lá, diziam que o lugar ficara assombrado. “Altas horas da noite apareciam, vindas do Chafariz, mulheres trazendo latas d’água na cabeça ou homens vestidos de preto que, repentinamente desapareciam.”
“Naquele tempo as ruas eram escuras e desertas e quem vinha pela rua General Júlio Salgado, trecho que ainda era denominado rua dos Andradas, apressava o passo ao cruzar com a travessa que a ligava com a Prudente de Moraes, então conhecida como a rua do Carregador ou a rua do número 2”.
Hoje iluminada e movimentada, essa rua (coincidência irônica) cultua a memória de um José Francisco que não é o José Francisco carregador da Central, ali assassinado, pois este era o José Francisco da Cunha e o homenageado é o coronel José Francisco Homem de Mello (ver dados autobiográficos nesta página).